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90 anos: Plantando em solo fértil

[90 anos: Plantando em solo fértil]

Bernadete Menezes

O processo da Revolução Russa abriu e fechou o século passado. Em 1917, inaugurando um mundo totalmente novo para os povos no planeta. Mudou a correlação de forças entre as classes. A era mais revolucionária da história começou. Neste período, um terço da propriedade foi expropriada, o mundo colonial se esfumaçou, a classe trabalhadora no mundo inteiro ganhou. As organizações da classe proliferaram, partidos, sindicatos, associações. Trabalhadores brasileiros, americanos, africanos, europeus, conquistaram um a um o fim do trabalho infantil, às 8 horas, o pleno emprego, o voto feminino, o direito à saúde, educação, aposentadoria etc. E, em muitos países queriam mais, queriam ser poder.

 
No final do século XX, é o contrário. A derrota cobra seu preço. Completamente degenerado, o mundo do socialismo real cai. Os patrões se apressam em alardear que é o fim da história, escondendo que a sua classe levou 400 anos para alcançar o poder político. E nós, estamos apenas começando. 
Entre outubro de 1917 e novembro de 1989, a classe trabalhadora se organizou, lutou, foi traída, foi derrotada, cooptada, está dispersa, fragmentada, está aprendendo e está voltando.
 
Portanto, se estamos apenas começando ou re-começando - como dizem alguns-  qual a atualidade da Revolução Russa quase um século depois? 
 
A contradição entre capital e trabalho segue
 
O mundo mudou. E outra revolução - tecnológica e genética- invadiu nossas casas, nossas vidas e também trouxe enormes conseqüências para o mundo do trabalho. Mas, nas mãos do capital ela se transforma em derrota. Hoje a humanidade poderia trabalhar apenas 3 a 4 horas por dia; ao invés disso, estamos presenciando ondas de imigrantes rodando pelo mundo, milhões de desempregados, redução da classe operária fabril, aumento no setor de serviços, trabalho precarizado, retorno do trabalho infantil ou escravo. Portanto, assim como em 17, se é verdade que o mundo mudou, também é verdade que segue a exploração de uma minoria sobre uma imensa maioria, agravada por uma brutal concentração de riqueza, onde o atual padrão de produção e consumo do capitalismo põe em risco não só a humanidade mas, o planeta.  
 
A teoria é um guia e não um dogma
 
Os prognósticos de Marx apontavam que as rupturas revolucionárias se dariam nos países avançados, devido ao estágio de desenvolvimento do capitalismo. Se os principais dirigentes – Lênin e Trotsky – da Revolução Russa não tivessem como método atuar sobre a realidade como ela é, mas sim basear-se em esquemas, não estaríamos escrevendo este artigo hoje, porque a Revolução socialista na Rússia não teria ocorrido. Se é verdade que sem teoria revolucionária não há partido revolucionário e tampouco transformações vitoriosas, também é verdade que a teoria é um guia que constantemente tem que ser confrontada com a realidade, em um processo constante de elaboração.
 
Uma direção centralizada para uma classe concentrada
 
Os revolucionários russos souberam utilizar as eleições e as armas, a expropriação e a NEP, utilizar oficiais do exército czarista em postos de comando do Exército Vermelho e a extrema disciplina militar, a greve econômica e a greve política, portanto, tinham enorme flexibilidade na tática mas, com firmeza em relação à estratégia. 
 
A Revolução Russa foi produto de uma conjunção de fatores altamente singulares: um país atrasado, uma urbanização forçada pela concentração de terras e fim da servidão, um jovem e poderoso proletariado concentrado em grandes fábricas, mas nada disso adiantaria se não houvesse o elemento decisivo que foi a existência de um grupo de militantes com experiência e disciplina, com quadros que respiravam a situação internacional. Porque, se é verdade que esta direção tinha profunda reflexão sobre a realidade russa, também é verdade que foram, em sua grande maioria, formados nos países centrais europeus. É neste ambiente que surge uma direção à altura dos acontecimentos de 1917.
 
Lições para os lutadores brasileiros
 
Nós que passamos os últimos 25 anos lutando sob a bandeira de um partido como o PT, que hoje se encontra de braços dados com o capital, servindo de mais uma ferramenta da dominação de nosso povo, não podemos tirar como conclusão que tudo o que fizemos foi errado. Assim como o PT não nasceu do repolho e sim do acúmulo de trabalho da resistência de esquerda durante a ditadura, do trabalho paciente das pastorais nos bairros pobres, da luta no campo e de uma jovem e concentrada classe operária fruto de um atrasado processo de industrialização. Hoje, nosso alicerce é uma vanguarda, ainda que dispersa, mas de milhares de ativistas construídos no duro enfrentamento contra a avalanche neoliberal e adaptação do PT ao sistema. 
 
Os que conosco estão construindo o PSOL estão plantando em terreno fértil, mesmo sabendo que parte desta vanguarda nega, hoje, a necessidade da construção de uma ferramenta partidária. O que Outubro também nos mostrou é que, assim como a revolução uniu os revolucionários, os processos de transformações da sociedade respeitam leis próprias, obrigando aos atores a se reagruparem de acordo com seus interesses e necessidades.
 
O processo russo não foi apenas confluência de setores sociais em aliança, como a unidade operária-camponesa, mas a síntese de experiências de distintas correntes de pensamento, em torno de uma organização partidária. Combater o pensamento único e saber trabalhar com diferenças é a melhor política para se chegar à síntese futura. Construir pacientemente espaços de intervenção comum na luta de classes, que teste nossa teoria e nosso programa e nos obrigue a elaborar e re-elaborar sobre a realidade de nosso país e do mundo, é o desafio da nossa geração.
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