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A crise internacional e a América Latina. Com referência especial ao caso do Brasil

O dólar comercial dispara mais de 5% e é negociado acima de R$ 2,16 nesta manhã no mercado interbancário de câmbio. Às 12h10, a moeda estava cotada a R$ 2,161, alta de 5,62%, na taxa máxima do dia até este horário. Na sexta-feira passada, o dólar comercial havia fechado a R$ 2,044. A disparada da taxa de câmbio se dá em meio ao estresse do mercado financeiro global. As bolsas asiáticas fecharam em forte queda e as bolsas européias também operam com perdas superiores a 6% nesta manhã.

Reinaldo Gonçalves[1]

6 Outubro 2008

 

Introdução

A crise econômica internacional que se iniciou em meados de 2007 tem gerado, nos países desenvolvidos, perdas financeiras e desaceleração do crescimento. Esta crise tem sido acompanhada por pressão inflacionária. Nos países em desenvolvimento, por seu turno, além da desaceleração, dos riscos financeiros e da pressão inflacionária, há reversão da tendência de afrouxamento da restrição de balanço de pagamentos iniciada em 2003.

Neste texto analisam-se as principais diferenças entre os países da América Latina em termos fragilidades e vulnerabilidades frente à crise internacional.[2] Trata-se, especificamente, de examinar as principais variáveis que geram risco econômico e financeiro na região. Ademais, os países latino-americanos continuam marcados por significativa vulnerabilidade externa estrutural (Gonçalves et al, 2008). A análise da situação econômica conjuntural mostra alguns sinais desfavoráveis: aumento da pressão inflacionária; a interrupção da tendência de melhora nas finanças públicas ocorrida nos últimos anos; menor crescimento da demanda externa; tendência de situação menos favorável das contas externas; e, aumento da percepção de risco em relação aos países do painel.

O impacto da crise internacional sobre cada país depende da interação de um complexo conjunto de fatores: (1) natureza e extensão dos mecanismos de transmissão (contágio e choques); (2) capacidade de resistência de cada país (fragilidades e vulnerabilidade) frente às pressões, fatores desestabilizadores e choques externos; e, (3) o policy space e as respostas de políticas de ajuste. Não há dúvida que na América do Sul há diferenças significativas entre países no que se refere à natureza da fragilidades e das vulnerabilidades, ao policy space e às estratégias e políticas de inserção internacional.

Neste texto as diferenças entre os principais países da América Latina são tratadas em “áreas de fragilidade e vulnerabilidade”. A identificação destas áreas tem como referência os quadros analíticos de estudos recentes (Akyüz, 2008; IMF, 2008b, p. 44).

 As áreas de fragilidade e vulnerabilidade envolvem questões econômicas, financeiras e políticas. Cada uma delas pode ser analisada com conjuntos específicos de indicadores.  A área econômica refere-se principalmente aos fundamentos e aos indicadores macroeconômicos (crescimento econômico, inflação, finanças públicas e contas externas). A área financeira envolve o ingresso líquido de capital externo, o descompasso (entre ativos e passivos correlatos) em montantes, prazos e moedas, a existência de bolhas de preços de ativos ou de volume de crédito, volume excessivo de investimentos em ativos imobiliários, nível de endividamento externo e serviço da dívida externa, valor líquido das reservas internacionais e desalinhamento da taxa de câmbio.  A área política incorpora a questão da governabilidade (estabilidade do governo) e das condições sociais. Neste texto tratamos exclusivamente das questões relativas às áreas econômica e financeira.

Além da análise dos riscos econômicos e financeiros existentes nos principais países da América Latina, este texto faz referência especial ao caso brasileiro. Mais especificamente, discute-se a vulnerabilidade externa do país frente à atual crise internacional.

 

  1. América Latina: riscos econômicos

A fase ascendente do ciclo econômico internacional no período 2003-07 foi, sem dúvida alguma, um fator determinante do desempenho das economias da América Latina. Entretanto, tem havido significativas diferenças de desempenho macroeconômico entre os países da região. Estas diferenças resultam não somente das condições econômicas de cada país (disponibilidade de fatores de produção, tecnologia, tamanho do mercado interno, competitividade internacional, dependência financeira externa, etc) como também das políticas de ajuste macroeconômico e das estratégias (explícitas ou implícitas) de desenvolvimento de cada governo. É, precisamente, esta interação entre condições objetivas, políticas e estratégias que configuram os fundamentos econômicos em cada país e afetam o desempenho.

O crescimento econômico apresenta razoável dispersão. Ao longo da fase ascendente do ciclo internacional, Argentina e Venezuela mantiveram trajetórias de altas taxas de crescimento. Com a reversão desta fase, em 2008 esta trajetória deve ser mantida na Argentina e, em menor grau, na Venezuela. Além destes dois países, em 2008 deverá ocorrer marcante crescimento econômico (acima da mediana do painel de 4,7%) no Brasil, Peru e Uruguai, como mostra o Quadro 1.  Em 2009 a previsão é de forte desaceleração na Argentina, Venezuela, Brasil e Uruguai. Países exportadores de hidrocarbonetos como Equador e Bolívia apresentam trajetórias futuras favoráveis, marcadas por taxas de crescimento econômico cada vez mais elevadas. Nestes casos a hipótese central é a manutenção de preços relativamente elevados para os hidrocarbonetos. O México se destaca pelo fraco desempenho econômico a partir de 2007 em decorrência da sua forte dependência em relação à economia dos Estados Unidos. O Peru deve desacelerar, porém manterá elevadas taxas de crescimento econômico.

 

 QUADRO 1

CRESCIMENTO REAL DO PIB (%)

2007-09

 

 

2007

2008

2009

Argentina

8,7

7,0

4,5

Bolívia

4,2

4,7

5,0

Brasil

5,4

4,8

3,7

Chile

5,0

4,5

4,5

Colômbia

7,0

4,6

4,5

Equador

1,9

2,9

4,1

México

3,3

2,0

2,3

Paraguai

6,4

4,0

4,5

Peru

9,0

7,0

6,0

Uruguai

7,0

6,0

4,0

Venezuela

8,4

5,8

3,5

Média painel

6,0

4,8

4,2

Mediana painel

6,4

4,7

4,5

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

 

É evidente a desaceleração econômica generalizada na região provocada pela reversão de fase ascendente do ciclo internacional em 2008-09. Em 2008 a desaceleração média estimada para os países do painel em relação a 2007 é de 20%, como mostra o Gráfico 1. A taxa média anual de crescimento do PIB estimada para 2008 é de 4,8%, ou seja, 20% menor do que a taxa de crescimento em 2007 (6,0%).

 

GRÁFICO 1

DESACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO REAL DO PIB (%): 2008 E 2009

(ANO DE REFERÊNCIA = 2007; ESCALA EM ORDEM INVERSA)

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

A desaceleração é a redução relativa da taxa de crescimento em 2008 e 2009 comparativamente à taxa de crescimento em 2007.

 

 

A questão do impacto da crise internacional fica mais clara quando se examina a desaceleração econômica no futuro próximo. Vale notar que a desaceleração prevista para os países da região é maior no médio prazo (2009) do que no curto prazo (2008). A desaceleração média para 2009 é de 30% visto que a taxa média de crescimento regional prevista para este ano é de 4,2%. Esta é uma diferença marcante entre, de um lado, a América do Sul, e do outro, o resto mundo. Para as principais regiões o processo de ajuste à crise estadunidense está concentrado no curto prazo (2008), enquanto que na América do Sul o processo se estende até 2009 (IMF, 2008c; IMF, 2008d). Este fenômeno expressa a maior vulnerabilidade externa e as fragilidades da região comparativamente ao resto do mundo.

Entretanto, o processo de ajuste é diferenciado a nível regional como mostra o Quadro 2. Tomando como referência o ano de 2007 e a taxa média de crescimento projetada para 2008-09, verifica-se a existência de distintos padrões. Países com forte crescimento em 2007 sofrerão grande desaceleração em 2008-09, como Argentina e Venezuela. Por outro lado, há países com taxas relativamente baixas de crescimento (México) ou menores do que a média ou a mediana regional (Brasil e Paraguai) e que também sofrerão significativa (dois dígitos) desaceleração econômica.

 

QUADRO 2

CRESCIMENTO REAL DO PIB: PROJEÇÃO 2008-09 E DESACELERAÇÃO EM RELAÇÃO A 2007 (%)

 

 

  1. PIB Média 2008-09

Desaceleração 2008-09/2007

Venezuela

4,6

-44,7

Colômbia

4,5

-35,0

México

2,1

-34,9

Argentina

5,7

-34,0

Paraguai

4,2

-33,6

Uruguai

5,0

-28,6

Mediana painel

4,6

-28,1

Peru

6,5

-27,8

Média painel

4,5

-25,0

Brasil

4,2

-21,3

Chile

4,5

-10,0

Bolívia

4,8

15,5

Equador

3,5

84,1

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

A taxa de desaceleração é a redução relativa da taxa de crescimento médio anual em 2008-09 comparativamente à taxa de crescimento em 2007.

Países ordenados segundo a taxa de desaceleração em 2008-09 comparativamente a 2007.

 

 

Os diferentes padrões de ajuste podem ser observados com mais clareza no Quadro 3. Os quadrantes mostram as combinações entre dinamismo econômico (taxa média anual de crescimento do PIB em 2008-09) e impacto da crise (desaceleração do crescimento econômico em 2008-09 comparativamente a 2007). Os países do quadrante 1 tendem a sofrer menor impacto da crise via desaceleração econômica, mas também deverão ter taxas de crescimento relativamente baixas pelos padrões regionais (abaixo da mediana). Neste grupo estão Equador, Chile e Brasil. No quadrante 3 estão Paraguai, Colômbia e México que também têm baixas taxas previstas de crescimento em 2008-09 e, adicionalmente, sofrerão forte desaceleração econômica. Este é o grupo de países na pior situação. No quadrante 3 encontram-se os países (Argentina, Venezuela e Uruguai) que também sofrerão forte desaceleração econômica, mas serão capazes de manter altas taxas de crescimento em 2008-09.

 

 

QUADRO 3

CRISE E AJUSTE EM 2008-09

 

Crescimento

 

Desaceleração

 

Abaixo

Acima

Abaixo

 

Equador, Chile, Brasil

(1)

 

Paraguai, Colômbia, México

 (2)

Acima

 

Bolívia, Peru

(4)

 

 

Argentina, Venezuela, Uruguai (3)

 

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

A desaceleração é a redução relativa da taxa média de crescimento do PIB em 2008-09 comparativamente à taxa de crescimento em 2007.

Taxa de crescimento abaixo e acima da mediana do painel em 2008-09.

Taxa de desaceleração abaixo e acima da mediana do painel.

 

Por último, no quadrante 4 encontram-se os países (Bolívia e Peru) que estarão em melhor posição pois terão taxas de crescimento econômico médio em 2008-09 acima da mediana regional e, ademais, estas taxas se comportam favoravelmente vis-à-vis a taxa de crescimento em 2007.  No caso do Peru prevê-se taxa de crescimento médio anual de 6,5% no período 2008-09, ou seja, desaceleração frente à elevada taxa de crescimento em 2007 (9,0%). Na Bolívia, por seu turno, a taxa de crescimento do PIB em 2007 foi de 4,2% e a taxa média anual prevista para 2008-09 é de 4,8%. Este é o primeiro caso de aceleração do crescimento na região previsto para o período 2008-09.  O segundo é do Equador, cuja taxa de crescimento do PIB é de 1,9% em 2007 e as projeções são de 2,9% em 2008 e 4,1% em 2009 (média de 3,5% em 2008-09).

O processo de ajuste também tem como eixo estruturante o combate à inflação. Como visto, a conjuntura internacional está marcada por significativas pressões inflacionárias, principalmente, em decorrência dos preços do petróleo e dos produtos alimentícios.  Em 2008 prevê-se, de modo geral, elevação da taxa de inflação nos países do painel, como mostra o Quadro 4.  A queda dos preços internacionais das commodities em meados de 2008 deve arrefecer esta tendência. Por outro lado, a desvalorização das moedas nacionais em relação ao dólar, como decorrência da crise financeira internacional e da deterioração das contas externas, gera inflação de custo. A hipótese é que os governos tendem a aumentar o foco das políticas no combate da inflação de tal forma que as pressões tendem a diminuir no médio prazo (2009).

 

QUADRO 4

INFLAÇÃO (IPC, %)

2007-09

 

 

2007

2008

2009

Argentina

8,8

9,2

9,1

Bolívia

8,7

15,1

14,3

Brasil

3,6

4,8

4,3

Chile

4,4

6,6

3,6

Colômbia

5,5

5,5

4,6

Equador

2,2

3,3

3,3

México

4,0

3,8

3,2

Paraguai

8,1

7,6

3,8

Peru

1,8

4,2

2,5

Uruguai

8,1

7,4

5,7

Venezuela

18,7

25,7

31,0

Média painel

6,7

8,5

7,8

Mediana painel

5,5

6,6

4,3

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

 

 

Em 2008 as taxas de inflação mais expressivas (de dois dígitos ou próximas) ocorrerão na Venezuela, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile (taxas de inflação iguais ou maiores do que a mediana regional de 6,6%).  As causas da inflação são diferentes em distintos países. Em alguns casos, a forte expansão da renda e dos gastos é o principal determinante da inflação (Venezuela e Argentina). Isto não quer dizer, naturalmente, que estes países não têm problemas pelo lado da oferta interna de bens e serviços. Por outro lado, há países que dependem fortemente da importação de petróleo e alimentos e, portanto, são afetados negativamente pela elevação dos preços internacionais. Este é o caso de países como Chile.  Por outro lado, há países que experimentam pressão inflacionária em virtude da internalização, parcial ou completa, da elevação dos preços externos apesar de se beneficiarem, via exportação, da maior demanda por produtos primários (Brasil). Subsídios a produtos energéticos e alimentícios têm sido usados para combater o impacto inflacionário via importação.

Os fundamentos macroeconômicos também dependem da situação das finanças públicas. Mais uma vez, o processo de ajuste encontra padrões diferenciados na América do Sul. Frente aos desafios associados ao processo de ajuste à crise internacional, alguns países ainda se encontram com desequilíbrios nas contas públicas. Em 2007 observaram-se déficits globais no Brasil, Colômbia, Equador e Uruguai, como mostra o Quadro 5. Portanto, estes países têm, ceteris paribus, menor grau de liberdade para realizar políticas fiscais expansionistas com o intuito de compensar a desaceleração do crescimento da demanda externa. Ao caminharem nesta direção, estes países se defrontarão com desequilíbrios fiscais ainda mais sérios que poderão afetar as expectativas e, portanto, a qualidade do ambiente de negócios. 

Por outro lado, há países com situações fiscais relativamente tranqüilas Este é o caso da Bolívia, Chile, Peru e, em menor medida, Argentina e Venezuela. Entretanto, deve ser ressaltado que há países em que as finanças públicas são altamente dependentes da exportação e dos preços das commodities internacionais  (com destaque para Equador, Venezuela e Bolívia).  A eventual queda dos preços dos produtos primários em decorrência da desaceleração econômica mundial afetará as contas públicas destes países e, portanto, a capacidade de investimento e gastos.

 

 

QUADRO 5

FINANÇAS PÚBLICAS: 2007 (% DO PIB)

 

 

Resultado primário

 

Resultado global

 

Argentina

2,8

0,7

Bolívia

3,4

2,1

Brasil

2,1

-2,8

Chile

8,7

8,0

Colômbia

1,0

-3,3

Equador

1,6

-0,5

México

2,6

0,0

Paraguai

1,0

0,0

Peru

3,6

1,8

Uruguai

2,6

-1,5

Venezuela

2,6

0,5

 

 

 

Memorando

Média

2,9

0,5

Mediana

2,6

0,0

 

Fonte: CEPAL, 2007.

 

 

Em decorrência da crise internacional prevê-se deterioração das contas externas dos países da região.  O superávit da conta corrente do balanço de pagamentos como proporção do PIB foi 1,5% em 2007 e deverá ser 0,2% e 0,5% do PIB em 2008 e 2009, respectivamente, como mostra o Quadro 6. Os déficits previstos para 2008 ocorrem na Colômbia, Uruguai, Brasil, México, Peru e Chile. De modo geral, a situação tende a piorar em 2009, principalmente nos casos do Brasil, Chile e México. Situações confortáveis nas contas externas perdurarão nos países exportadores de produtos energéticos (Bolívia, Equador e Venezuela).

 

 

 

QUADRO 6

SALDO CONTA CORRENTE (% PIB)

2007-09

 

 

2007

2008

2009

Argentina

1,1

0,4

-0,5

Bolívia

13,3

12,3

8,6

Brasil

0,3

-0,7

-0,9

Chile

3,7

-0,5

-1,3

Colômbia

-3,8

-4,9

-4,3

Equador

3,3

5,2

3,9

México

-0,8

-1,0

-1,6

Paraguai

1,5

1,0

0,4

Peru

1,6

-0,2

-0,3

Uruguai

-0,8

-1,7

-0,8

Venezuela

9,8

7,2

5,0

Média painel

2,7

1,6

0,7

Mediana painel

1,5

-0,2

-0,5

 

Fonte: IMF, 2008c.

Nota: Projeções para 2008 e 2009.

 

 

  1. América Latina: riscos financeiros

Se, por um lado, há tendência de deterioração das contas de transações correntes do balanço de pagamentos, por outro, a atual situação financeira internacional aponta no sentido do ingresso líquido de capital externo na América Latina. Alguns fatores tendem a afetar positivamente os fluxos financeiros internacionais na direção dos países da região. Dentre estes fatores cabe mencionar as baixas taxas de juros internacionais, as expectativas desfavoráveis de retorno de investimento nos países desenvolvidos no contexto de desaceleração econômica e a elevação do “apetite de risco” dos investidores internacionais. Segundo projeções recentes os países do painel continuarão recebendo importantes volumes de capital externo privado em 2008 (IIF, 2008). Entretanto,vale notar que estas projeções são relativamente otimistas quando se considera a deterioração dos fundamentos macroeconômicos na região ao mesmo tempo em que se agravaram as incertezas críticas na arena internacional a partir do início do segundo semestre de 2008.


 

 

A entrada de capitais externos pode estar vinculada diretamente à existência de bolhas de preços de ativos ou de volume de crédito, bem como volume excessivo de investimentos em ativos imobiliários. Estes fenômenos são indicadores de risco na esfera financeira como mostrou a experiência dos países asiáticos na crise de 1997 (Akyuz, 2008). Na América do Sul não há evidência sistemática a respeito, por exemplo, dos preços dos ativos imobiliários. No entanto, dados sobre índices de preços de ações são indicadores relevantes a respeito de bolhas de preços de ativos.

No contexto da globalização financeira não há dúvida que o movimento dos preços das ações está relacionado com o nível de liquidez internacional nos últimos anos.  Não é por outra razão que, com a exceção do Peru, a valorização observada no passado recente (2005-07) não é significativamente diferente nos principais mercados de ações da região, como mostra o Gráfico 2. A variação média acumulada dos preços das ações foi de 193,5% no período em questão.

 

GRÁFICO 2

BOLSAS DE VALORES: VARIAÇÃO DE PREÇOS ACUMULADA, 2006-07

 

Fonte: CEPAL, 2007, p. 168.

Notas: Variação do índice de preços médio tendo como base 2005.

Dados para 2007 referem-se à média do 3º. trimestre.

 

 

Na América Latina poucos países têm mercados de capitais com algum peso específico e, certamente, neste caso estão as maiores economias da região (Brasil, México e Argentina). A correlação entre a evolução dos preços das ações nestes mercados e na bolsa de Nova York é elevada, como mostra o Gráfico 3.

 

GRÁFICO 3

BOLSAS DE VALORES: NOVA YORK, SÃO PAULO,  BUENOS AIRES MÉXICO - ÍNDICE DE PREÇOS, JANEIRO 2006-JUNHO 2008

 

Fonte: Invertia.

Disponível: http://br.invertia.com/mercados/indices/

Acesso: 10 de junho de 2008.

Notas: Média mensal.

Índices: São Paulo (Bovespa), Buenos Aires (Merval), México (IPC) e Nova York (S&P).

 

 

No período janeiro 2006-junho 2008 os coeficientes de correlação de preços de ações das bolsas da região com a bolsa de Nova York são: México = 0,791; Buenos Aires= 0,825; e, São Paulo= 0,544. De fato, no período recente a Bovespa é a que tem apresentado um descolamento maior em relação à Nova York.  É provável que a melhora das expectativas em relação à economia brasileira no início de 2007, bem como a queda das taxas de juros, tenham contribuído para este movimento de valorização de ações na Bovespa. Ademais, o índice da Bovespa depende, em grande medida, da evolução dos preços das ações de duas grandes empresas (Petrobrás e Vale do Rio Doce). No período mencionado as expectativas em relação a estas empresas foram influenciadas, em grande medida, pelo aumento extraordinário dos preços do petróleo e do minério de ferro no mercado internacional. A Petrobrás, em particular, se beneficiou da divulgação de informações a respeito da descoberta de reservas de petróleo na camada do pré-sal.

Em conseqüência, de modo geral, a evidência disponível não aponta no sentido da existência de bolhas de ativos na região. Este resultado implica menor risco de crise financeira em decorrência das turbulências no sistema econômico internacional.

A análise do descompasso (entre ativos e passivos correlatos) em montantes, prazos e moedas também é prejudicada pela ausência de dados. O risco maior reside nas posições de agentes financeiros e empresas que são denominadas em moeda estrangeira. As experiências dos países da Ásia e da América Latina no final dos anos 1990 mostraram claramente que a crise cambial (forte desvalorização da moeda nacional) tende a provocar crise financeira, que envolve não somente os bancos como também as empresas de outros setores.

A forma e a extensão da liberalização cambial e financeira variam na região apesar de ter havido processo de liberalização praticamente generalizado, principalmente a partir dos anos 1990.  Nos últimos anos alguns países da região interromperam e até mesmo reverteram este processo, enquanto outros o têm aprofundado ainda mais. No primeiro grupo os destaques são Venezuela e, em menor medida, Argentina. No segundo grupo, os destaques são Chile, Peru e Brasil.

Além da questão do descompasso entre ativos e passivos correlatos há também o problema da importância relativa do volume de recursos de residentes aplicados no exterior. Crises financeiras internacionais mais agudas ou mesmo problemas de solvência podem afetar negativamente o valor do estoque de riqueza de residentes. Este efeito riqueza negativo impacta desfavoravelmente nas esferas financeira e econômica dos países da região.

Para ilustrar, vale examinar dados sobre a importância relativa dos investimentos no exterior por parte dos fundos de pensão. Dados para a Argentina mostram que 8,9% do valor dos ativos dos fundos de pensão em maio de 2008 eram em títulos estrangeiros. Deste total, 7,0% corresponde a ações de empresas estrangeiras e 1,9% a títulos de dívidas emitidas por empresas estrangeiras ou aplicações em fundos de investimentos estrangeiros (AFJP, 2008)

No caso Chile, que tem a economia mais aberta da região, o investimento no exterior respondia por 33,9% do valor total da carteira de investimentos dos fundos de pensão em abril de 2008. Deste total, as aplicações nos fundos mútuos correspondem a 28,1% e o restante a outros ativos de renda variável e fixa (SAFP, 2008). Portanto, os fundos de pensão chilenos apresentam significativa exposição em relação ao sistema financeiro internacional.  A questão central é saber qual o peso dos CDOs, collateralized debt obligations vinculados ao mercado imobiliário subprime dos Estados Unidos na carteira de ativos dos fundos mútuos no exterior. Tendo em vista o forte efeito contágio no sistema financeiro estadunidense, há ainda os efeitos indiretos sobre outros tipos de títulos.

É bem provável também que em outros países, como México (devido à forte integração com a economia dos Estados Unidos) e Equador (em decorrência da dolarização), a exposição externa dos agentes financeiros e das empresas domésticas também seja significativa. 

Neste ponto vale destacar que a falta de evidência não pode conduzir à subestimativa dos riscos financeiros derivados dos investimentos externos de residentes da América do Sul.  Ademais, não se pode negligenciar o fato de que em muitos países houve grande saída de capital para o exterior em resposta à liberalização financeira, estratégias de diversificação de risco, apreciação cambial e expectativas desfavoráveis quanto ao retorno de investimentos nos países da região. 

Além da questão dos investimentos no exterior, há o problema do endividamento externo. A partir do início da fase ascendente do ciclo internacional iniciou-se o processo de desendividamento externo, principalmente, com a redução relativa e, até mesmo absoluta em alguns casos, da dívida externa (CEPAL, 2007, Quadro A-12). Entretanto, este processo foi interrompido em 2007, quando as condições das contas externas da região se deterioraram. Por outro lado, em decorrência do forte ingresso líquido de capital externo privado, houve o aumento das reservas internacionais, que dão maior proteção no caso de problemas de curto prazo nas contas externas.

Para concluir esta seção resta examinar a questão do desalinhamento da taxa de câmbio. As experiências latino-americanas e asiáticas mostram que significativa apreciação cambial tende a ter sérios efeitos financeiros quando há crise externa. A elevação abrupta e expressiva da taxa de câmbio transforma-se no mecanismo por meio do qual a crise cambial gera a crise financeira. Este mecanismo é tão mais poderoso quanto maior for o grau de apreciação cambial.

A experiência recente na América Latina tem mostrado diferentes situações quanto a regime cambial, política cambial e comportamento da taxa de câmbio. Para ilustrar, o Quadro 7 apresenta as principais experiências de regimes cambiais na América Latina na última década.

 

 

QUADRO 7

REGIMES CAMBIAIS: AMÉRICA LATINA

 

Fonte: CEPAL, 2007, Quadro II.3, p. 42.

 

 

Mesmo no contexto de forte liquidez internacional alguns países têm logrado fazer intervenções no mercado cambial e, portanto, impedir o processo de apreciação cambial. Em conseqüência, no período 2005-07 México, Argentina, Bolívia, Peru e Equador foram capazes de evitar a depreciação real do câmbio. Por outro lado, alguns países têm tido políticas passivas em relação ao câmbio ou, então, têm aproveitado a conjuntura internacional para usar a taxa de câmbio como instrumento de combate à inflação. Houve significativa apreciação cambial (superior a 10%) nos casos do Paraguai, Brasil, Venezuela e Colômbia, como mostra o Quadro 8. Caso o período de análise seja estendido para o início da fase ascendente do ciclo internacional em 2003, verifica-se que, de modo geral, o panorama regional não se altera. Portanto, além dos países mencionados acima, a apreciação cambial significativa também ocorre no Chile.

 

 

QUADRO 8

DESALINHAMENTO CAMBIAL: VARIAÇÃO DA TAXA DE CÂMBIO EFETIVO REAL (%)

 

 

2007/2003

2007/2005

Paraguai

-14,1

-18,5

Brasil

-35,3

-16,8

Venezuela

-11,3

-15,1

Colômbia

-27,6

-10,1

Chile

-13,4

-2,4

Uruguai

-9,8

-1,0

México

2,5

1,0

Bolívia

16,8

1,4

Argentina

8,1

2,8

Peru

5,1

2,9

Equador

15,4

6,3

 

Fonte: CEPAL, 2007, p. 168.

Notas: Variação da taxa de câmbio efetivo real.

Variação positiva é depreciação real; variação negativa é apreciação real.

Dados para 2007 referem-se ao período janeiro-outubro.

 

Não há dúvida que, no atual contexto de fortes pressões inflacionárias em escala global, os baixos preços das moedas estrangeiras têm contribuído para arrefecer a inflação, principalmente em países com alto grau de abertura para o exterior, como Chile e Venezuela.

  1. Brasil: blindagem de papel crepom

Em meados 2007, quando eclodiu a crise financeira nos Estados Unidos, a quase totalidade dos analistas no Brasil argumentava que o país havia reduzido significativamente sua vulnerabilidade externa em relação à economia mundial e, portanto, haveria blindagem em relação aos choques externos.

Havia, naturalmente, exceções no âmbito dos analistas independentes.  Fazendo a distinção entre vulnerabilidade externa conjuntural, comparada e estrutural, Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 20-21) afirmam que “os indicadores de vulnerabilidade externa conjuntural, que estavam com tendência de melhora desde a crise cambial de 1999, continuam progredindo durante o Governo Lula.  Entretanto, não houve melhora na vulnerabilidade externa da economia brasileira comparativamente ao resto do mundo durante o Governo Lula. Trata-se, aqui, da vulnerabilidade externa comparada, ou seja, de se analisar a evolução dos indicadores brasileiros em relação aos indicadores do resto do mundo.  Ademais, as políticas do Governo Lula tendem a reforçar o avanço de estruturas de produção e padrões de inserção internacional retrógrados, que tendem a aumentar a vulnerabilidade externa estrutural do país.”

Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 225-226) vão adiante e afirmam que “as circunstâncias internacionais favoráveis não são aproveitadas, pelo Governo Lula, para reduzir estruturalmente a vulnerabilidade externa do país. Muito pelo contrário, embalado por elevados superávits comerciais, o modelo liberal periférico (MLP) tem se mantido intacto, abrindo ainda mais a conta financeira do balanço de pagamentos. Assim, a eventual reversão da atual conjuntura – caracterizada por grande liquidez internacional e por uma fase ascendente do comércio –, que favorece enormemente as exportações de todos os países da periferia, inclusive o Brasil, terá impactos decisivos sobre a dinâmica da economia brasileira. Essa mudança, que poderá ocorrer a partir da desaceleração das economias americana e chinesa, cada vez mais articuladas comercial e financeiramente, terá um efeito desestabilizador tanto maior quanto mais frágil for a inserção internacional de cada país.”

No que se refere à questão da blindagem, a crítica também é que “o argumento acerca da blindagem da economia brasileira equivoca-se a respeito da natureza da atual crise internacional. As crises dos anos 1990 tinham foco no subsistema que abarcava os fluxos financeiros para alguns mercados emergentes. Atualmente, a crise também deriva de problemas na esfera real (que tem repercussões nas esferas comercial e tecnológica), além, naturalmente, dos problemas nas esferas monetária e financeira internacional” (Gonçalves, 2008).  

O falso argumento da blindagem assenta-se em três aspectos: (i) menor dependência das exportações brasileiras em relação ao mercado dos Estados Unidos; (ii) elevado nível das reservas internacionais; e, (iii) dinamismo da absorção interna.

O primeiro argumento se refere à distribuição geográfica das exportações. É verdade que a participação dos Estados Unidos como mercado para as exportações brasileiras de bens reduziu-se de 24,7% em 2001 para 18,0% em 2006, como mostra o Quadro 9. A crise economia nos Estados Unidos reduziu ainda mais esta participação em 2007-08. Entretanto, neste período houve aumento das participações da China e do México como destino das exportações brasileiras. E, estes países dependem significativamente do mercado dos Estados Unidos. Outrossim, no período em questão houve aumento do peso relativo das exportações de bens como fonte de expansão da demanda agregada. Em 2006 o coeficiente de abertura da economia foi de 14,6%.

 

 

QUADRO 9

IMPACTO DAS IMPORTAÇÕES SEGUNDO O PARCEIRO COMERCIAL

(em %)

 

 

Participação nas exportações de bens

Impacto direto das exportações sobre o PIB

 

2001

2006

2001

2006

Estados Unidos

24,7

18,0

0,30

0,26

Argentina

8,6

8,5

0,10

0,12

China

3,3

6,1

0,04

0,09

Holanda

4,9

4,2

0,06

0,06

Alemanha

4,3

4,1

0,05

0,06

México

3,2

3,2

0,04

0,05

Chile

2,3

2,8

0,03

0,04

Japão

3,4

2,8

0,04

0,04

Subtotal

54,7

49,8

0,67

0,73

 

 

 

 

 

Estados Unidos + China + México

31,2

27,3

0,38

0,40

 

Fonte: Nações Unidas, Comtrade.

http://comtrade.un.org/

Nota: o impacto direto sobre as exportações é calculado como: participação relativa de cada país no valor das exportações de bens multiplicada pelo grau da abertura no ano e por 10. Ou seja, é o impacto do crescimento de 10% das exportações para cada mercado sobre a o crescimento do PIB.

 

O resultado destes processos é que, no conjunto, os três mercados (Estados Unidos, China e México) tornaram-se importantes para a economia brasileira. Por um lado, houve queda na participação total destes três mercados nas exportações de bens do Brasil de 31,2% em 2001 para 27,3% em 2006. Por outro, com a elevação do grau de abertura da economia brasileira e a maior importância relativa da China e do México nas exportações do país, estes três países passaram a ter maior impacto direto sobre o PIB brasileiro. Assim, as exportações do Brasil para Estados Unidos, China e México tiveram impacto direto sobre o PIB do país de 0,38% em 2001 e 0,40% em 2006. Ou seja, o crescimento de 10% das exportações para estes três mercados tem como efeito direto o aumento do PIB brasileiro de 0,38% em 2001 e 0,40% em 2006. Assim, ao longo dos anos a queda do peso específico dos Estados Unidos foi mais do que compensada pelo aumento do grau de abertura da economia brasileira e pelo peso específico da China e do México, que dependem do dinamismo do mercado dos Estados Unidos.

O segundo argumento diz respeito ao nível das reservas internacionais. Houve crescimento extraordinário, principalmente, a partir de meados de 2006. Entretanto, a situação externa do Brasil está marcada por dois problemas sérios: o desequilíbrio de estoque derivado do crescimento do passivo externo a partir de 2003 e a forte deterioração dos fluxos do balanço de pagamentos a partir de 2007.

O passivo externo do país quase triplicou visto que passou de US$ 343 bilhões em 2002 para US$ 939 bilhões em 2007 como mostra o Gráfico 4. Neste mesmo período, o passivo externo líquido (passivo menos ativo) cresceu de US$ 230 bilhões para US$ 574 bilhões.

 

GRÁFICO 4

PASSIVO EXTERNO DO BRASIL: 2001-07

(US$ bilhões, final do ano)

 

 

Fonte: Bacen, Posição Internacional de Investimento.

Disponível: http://www.bcb.gov.br/sddsp/detposinterinv_p.shtm.

 

 

Como proporção do PIB o passivo externo líquido encontrava-se no final de 2007 em nível não muito diferente daquele de 2002, quando houve crise cambial, como mostra o Gráfico 5. 

 

GRÁFICO 5

PASSIVO EXTERNO LÍQUIDO DO BRASIL: 2001-07

(% do PIB, final do ano)

 

Fonte: Bacen, Posição Internacional de Investimento.

Disponível: http://www.bcb.gov.br/sddsp/detposinterinv_p.shtm.

 

 

 

Ainda em relação ao passivo externo, vale notar que parte expressiva deste passivo é de curto prazo. Trata-se fundamentalmente dos empréstimos intercompanhias, créditos comerciais, investimento em ações, investimento em títulos de renda fixa e derivativos. Estima-se, então, que o passivo externo de curto prazo é cerca de duas vezes o nível das reservas internacionais se tomarmos como referência os dados do final de 2007 do Quadro 10.  Isto significa, na prática, que caso o governo decida garantir certa estabilidade da taxa de câmbio há o risco de queda abrupta das reservas internacionais em pouco tempo. E isto caracterizaria uma crise cambial.

 

 

QUADRO 10

PASSIVO E ATIVO EXTERNO, BRASIL: 2007

(US$ bilhões, final do ano)

 

Posição (A-B)

-574

 

 

Ativo (A)

365

   Investimento direto brasileiro no exterior

130

   Investimentos em carteira

15

   Outros investimentos e derivativos

39

   Ativos de reservas

180

 

 

Passivo (B)

939

   Investimento estrangeiro direto

328

      Participação no capital

281

      Empréstimo intercompanhia

47

   Investimento em carteira

510

      Investimentos em ações

364

         No país

166

         No exterior

198

      Títulos de renda fixa

146

         No país

47

         No exterior

99

   Outros investimentos e derivativos

101

 

Fonte: Bacen, Posição Internacional de Investimento.

Disponível: http://www.bcb.gov.br/sddsp/detposinterinv_p.shtm.

 

 

Além do desequilíbrio de estoque, o Brasil defronta-se com o problema de desequilíbrio de fluxos derivado da acelerada deterioração das contas externas, como mostra o Gráfico 6. Previsões apontam no sentido da forte queda do superávit comercial de bens e, principalmente, para o surgimento de déficit da conta corrente em 2008-09.  Os desequilíbrios de fluxos afetam o mercado de divisas e as expectativas. A situação pode se tornar crítica na hipótese de saída abrupta e significativa de fluxos de capitais internacionais.

 

 

GRÁFICO 6

DETERIORAÇÃO DAS CONTAS EXTERNAS DO BRASIL: 2007-09

(US$ bilhões)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Bacen, Boletim Focus.

Disponível: www.bacen.gov.br

 

 

O terceiro e último argumento destaca o dinamismo da demanda interna como amortecedor da retração da demanda externa derivada da crise internacional. Entretanto, a economia brasileira é marcada por um padrão retrógrado de inserção no sistema mundial de comércio e pela sua posição de fragilidade no sistema financeiro internacional. A dependência do país em relação às commodities é um problema sério na medida em que a crise econômica internacional provoca movimento de queda dos preços no mercado internacional. A reversão e forte queda dos preços das commodities afetaram o desempenho do agronegócio exportador a partir de meados de 2008.

Ademais, as dificuldades de obtenção de financiamento externo afetam o agronegócio, o sistema financeiro brasileiro e os planos de captação de recursos pelas empresas. Estes fatos implicam, na realidade, problemas de acesso ao capital externo e maior custo de captação tanto no mercado externo como no mercado interno.  Estes fatos inibem o investimento.

As dificuldades crescentes no sistema financeiro internacional são ilustradas pela forte elevação do spread dos títulos brasileiros como mostra o Gráfico 7. Este spread aumentou de 179 no dia 2 de junho de 2008 para 349 no dia 3 de outubro de 2008.    

 

GRÁFICO 7

RISCO-BRASIL,  SPREAD (%): JUNHO 2008 –OUTUBRO 2008

Fonte: JP Morgan.

 

Conforme argumentam Filgueiras e Gonçalves (2007, cap. 1), com a crise econômica internacional, “as fragilidades do país reaparecerão com toda a força, evidenciando mais uma vez os limites estruturais do Modelo Liberal Periférico e da sua política macroeconômica. Os efeitos sobre a economia brasileira e a resposta das autoridades econômicas são conhecidos. A desaceleração do comércio mundial terá um impacto imediato sobre o valor das exportações, com a redução das quantidades exportadas e a queda dos preços das commodities agrícolas e industriais. A redução dos saldos da balança comercial e, em conseqüência, da conta de transações correntes do balanço de pagamentos, implicará aumento da dependência em relação aos fluxos de capitais internacionais – necessários para o equilíbrio do balanço de pagamentos. Como essa situação será a regra dos países periféricos, as taxas de juros exigidas pelos capitais de curto prazo – e com tendência de buscar proteção nos títulos do governo americano – tenderão a se elevar, provocando, em cadeia, a elevação das taxas de juros domésticas. Em resumo: reaparecerá a vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira – mascarada até aqui pelos grandes saldos obtidos atualmente no comércio exterior –, agora também explicitada pelo seu lado comercial e reforçada pelo lado financeiro.

O crescimento da vulnerabilidade externa, num quadro de redução dos saldos da balança comercial e elevadas taxas de juros, será acompanhado de uma aceleração do crescimento da dívida externa e interna, que tornará ainda mais débil os efeitos da política de elevados superávits primários – evidenciando-se, mais uma vez, que o problema fundamental da fragilidade financeira do Estado se localiza na vulnerabilidade externa e na política monetária.”

 

 

  1. Síntese

Na América do Sul a fase ascendente do ciclo internacional permitiu o desempenho econômico favorável no período 2003-07. De modo geral, este desempenho caracterizou-se por crescimento elevado do PIB, aumento do investimento, queda do desemprego, melhora das finanças públicas, superávit nas contas externas, aumento das reservas internacionais e redução do endividamento externo. Entretanto, deve ser destacado que há significativas diferenças entre os países da região se forem consideradas as magnitudes das variáveis e as suas trajetórias. O Quadro 11 apresenta a síntese dos impactos sobre os países do painel.

 

 

QUADRO 1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração do autor.

 

Não resta dúvida que o contexto internacional favorável foi importante, principalmente, porque afrouxou a restrição de balanço de pagamentos dos países da região. A partir de 2007, com a reversão da fase do ciclo internacional, já se observam resultados relativamente desfavoráveis como o aumento da pressão inflacionária, o menor crescimento da demanda externa, a interrupção da tendência de melhora nas finanças públicas e o aumento da percepção de risco em relação aos países. 

A análise do impacto da crise internacional na região destaca o nível da taxa de crescimento da renda e a sua desaceleração no período 2008-09.  Três grupos de países podem ser identificados. No primeiro estão os “sobreviventes” – Bolívia e Peru – que terão taxas de crescimento relativamente elevadas e não sofrerão o processo de desaceleração. No segundo grupo estão os países “atropelados” – Paraguai, Colômbia e México – com baixas taxas de crescimento e forte desaceleração econômica.   O terceiro grupo é o de “atingidos” composto do restante dos países do painel: aqueles que terão taxas relativamente baixas de crescimento e sofrerão menor impacto de desaceleração (Equador, Chile e Brasil); e aqueles países (Argentina, Venezuela e Uruguai) que terão taxas elevadas de crescimento e sofrerão forte efeito de desaceleração.

A conjuntura internacional também impacta via pressões inflacionárias decorrentes dos preços das commodities. Todos os países da região já estão sofrendo pressões inflacionárias. Em 2008 as taxas de inflação mais expressivas (de dois dígitos ou próximas) ocorrerão na Venezuela, Bolívia, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile.  Vale notar, no entanto, que a própria desaceleração da economia mundial já pressionou para baixo os preços das commodities a partir de meados de 2008.

O custo do enfrentamento da crise internacional nos países da região depende da situação das finanças públicas. Situações fiscais relativamente confortáveis são as da Bolívia, Chile, Peru e, em menor medida, Argentina e Venezuela. Entretanto, a fragilidade de muitos dos países da região está na forte dependência da receita fiscal em relação à exportação e aos preços das commodities internacionais  (com destaque para Equador, Venezuela e Bolívia). 

No que se refere às contas externas, de modo geral, o processo de deterioração deve se agravar. Este processo implica maior risco econômico. Na ausência de maiores turbulências no sistema financeiro internacional, a expectativa é de manutenção de significativos ingressos líquidos de capital externo privado. Portanto, a percepção otimista é que haja menor risco financeiro. Entretanto, vale destacar que crises financeiras internacionais restringem a oferta de crédito e encarecem a captação de recursos externos. Estes fatos provocam tensão nos sistemas financeiros dos países da América Latina. Vale notar que o agravamento da crise financeira nos Estados Unidos provocou significativa contração de créditos internacionais, principalmente, no início do segundo semestre de 2008.

Ainda que tenha havido aumento do endividamento externo no passado recente, o significativo incremento e o nível das reservas internacionais favorecem, de modo geral, a absorção do impacto de curto prazo derivado de problemas financeiros internacionais. Deve ser destacado que no conjunto de países da região há graus variados de proteção dados pelo nível de reservas internacionais em virtude do grau de penetração das importações e da elasticidade-renda das importações. Além disto, no passado recente houve significativo aumento do passivo externo de curto prazo, que compromete as reservas internacionais. Ademais, a liberalização financeira e cambial permite que tanto não-residentes como residentes convertam ativos monetários, financeiros e reais em divisas estrangeiras e as remetam para o exterior. Ou seja, no contexto de grande passivo externo de curto prazo e de liberalização financeira e cambial, o nível aparentemente elevado das reservas internacionais pode se constituir em escudo frágil de proteção frente a ataques especulativos e mesmo a movimentos de hedge frente aos diversos tipos de riscos nos países da América Latina.

 No que se refere ao risco financeiro associado ao descompasso entre ativos e passivos correlatos, a existência de bolhas de preços de ativos ou de volume de crédito, volume excessivo de investimentos em ativos imobiliários, a evidência disponível não é robusta. Dados sobre investimentos no exterior de fundos de pensão mostram, por exemplo, a pequena exposição dos fundos na Argentina e a grande exposição de fundos no Chile. A integração da economia do México na economia dos Estados Unidos e a dolarização no Equador também sugerem elevado risco financeiro frente a problemas no sistema financeiro dos Estados Unidos.

O desalinhamento da taxa de câmbio também aumenta o risco financeiro. O trade-off evidente destas apreciações cambiais é o risco financeiro. Forte apreciação cambial aumenta a probabilidade de desvalorizações abruptas e, portanto, maior risco financeiro.  Atualmente constata-se significativa apreciação cambial nos casos do Paraguai, Brasil, Venezuela e Colômbia, o que expõe estes países a maiores riscos financeiros frente aos problemas internacionais.  Este problema reduz, também, o grau de liberdade dos países no sentido de usar a taxa de câmbio para combater as pressões inflacionárias no futuro próximo.

Mais uma vez, os fundamentos macroeconômicos e o desempenho dos países da região estão condicionados, em grande medida, pela conjuntura internacional. Esta conjuntura tem se deteriorado a partir do final de 2007 e, principalmente, a partir de meados de 2008. Isto ocorre no contexto de riscos econômicos e financeiros, na maior parte dos casos crescentes e não desprezíveis e, em alguns casos, desconhecidos ou subestimados. 

No caso específico do Brasil a análise aponta no sentido de que o país  está no grupo de países latino-americanos mais afetados pela crise econômica internacional que se iniciou em meados de 2007 e que eclodiu em meados de 2008.  A vulnerabilidade externa estrutural da economia brasileira e os erros de estratégia e política econômica do Governo Lula são os fatores determinantes da “blindagem de papel crepom” do Brasil.

 

 

 

Referências bibliográficas

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Filgueiras, Luiz, Gonçalves, Reinaldo. A Economia Política do Governo Lula. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2007.

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SAFP. Superintendencia de Administradoras de Fondos de Pensiones.  Chile, 2008. Acesso: 10 de junho de 2008. Disponível: http://www.safp.cl/573/articles-5747_recurso_1.pdf.

 

[1] Professor titular de Economia Internacional, UFRJ. reinaldogoncalves1@gmail.com.

 

[2] Para uma análise das causas da atual crise internacional, ver Carcanholo et al (2008) e para uma análise do impacto das crises financeiras sobre a economia real, ver IMF 2008a.

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