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Carta de Deputado Português a Coordenação da Auditoria Cidadão da Dívida- Maria Lúcia Fattorelli

Banqueiros e dívida pública: que grande descaramento!

Há pouco mais de um ano, os donos dos bancos anunciavam que não compravam mais títulos de dívida pública portuguesa. Em conluio com as agências de notação que classificavam as obrigações do tesouro (OT) do Estado português como ?lixo?, os banqueiros  apresentavam a detenção de títulos de dívida pública como  a responsável pelos prejuízos nas suas contas.

Há pouco mais de um ano, apenas uma pequena parte (20 mil milhões de euros) dos ativos financeiros da banca (mais de 110 mil milhões de euros) era constituída por  títulos de dívida pública portuguesa. Agora, os bancos já detêm mais de 30 mil milhões de euros em bilhetes e obrigações do tesouro, um crescimento de 32%.

Há pouco mais de um ano, os banqueiros para esconder os colossais ?buracos? nos seus balanços, apresentavam a dívida pública portuguesa como uma espécie de ?besta?. Agora, a dívida pública portuguesa  passou a ?bestial?.

Há duas razões para tão grande mudança de atitude. Uma tem a ver com a segurança e rendibilidade das obrigações do tesouro.

Apesar dos banqueiros dizerem ?cobras e lagartos? dos títulos de dívida pública portuguesa, o certo é que, segundo a CMVM (Relatório Anual 2011- págs. 80/81), as obrigações do tesouro foram o ativo financeiro com maior rendimento na última década: um euro investido em obrigações do tesouro proporcionou um ganho de 54 cêntimos. Já os investidores institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões e fundos de investimento) que fizeram aplicações em ações nacionais, perderam dinheiro: um euro investido em 2001 só valia 96 cêntimos em 2011. E investimentos noutros ativos financeiros (como unidades de participação em fundos) também deram prejuízos brutais.

A outra razão é a mais importante: os capitais próprios (dos acionistas), não chegam a 6% do total dos balanços e  como os bancos precisam de financiamento e já não conseguem obter empréstimos junto doutras instituições de crédito no chamado mercado inter-bancário, então o que têm feito é financiar-se junto do BCE.

Os bancos portugueses conseguiram até hoje mais de 55 mil milhões de euros de financiamento. Mas há um pequeno problema: o BCE exige garantias, e não aceita qualquer ativo financeiro como garantia (colateral). Para além de títulos de dívida pública,  os bancos detêm também como ativos,   obrigações de empresas privadas (mais de 64 mil milhões), produtos derivados (mais de 8 mil milhões) e ações de empresas privadas (quase 6 mil milhões de euros). Mas o BCE não aceita estes títulos de dívida privada, não tem qualquer confiança no seu valor nominal. São em grande parte títulos sem qualquer notação ou com classificações muito baixas ?BB? ou ?CC?, estes sim, ?ativos tóxicos?, autêntico ?lixo?.

As únicas garantias que o BCE aceita para conceder empréstimos aos bancos portugueses são, vejam lá, obrigações do tesouro do Estado português ?.

E assim, com  o dinheiro  emprestado pelo BCE ao juro de menos de 1%, os banqueiros já compram dívida pública portuguesa (cujo juro sempre superior a 5% lhes garante ganhos fabulosos de vários milhares de milhões de euros e é utilizada também como colateral em novos empréstimos junto do BCE).

Há pouco mais de um ano, os banqueiros decidiram fazer política,  decidiram não comprar dívida pública portuguesa, forçando a entrada em Portugal da sua querida ?troika? e levando ao poder o governo PSD-CDS/PP. Agora os banqueiros já compram obrigações do tesouro aos milhares de milhões de euros. Que grande descaramento ?.    

Fonte: José Castro – deputado metropolitano do Porto do BE
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