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Cuba: Transição inacabada

Mário Azeredo e Berna Menezes

Camaradas

Esse texto foi uma contribuição que fizemos ao debate sobre Cuba que companheiros do Panamá e cubanos estão realizando. Colocamos nossa impressão preliminar sobre o processo que atravessa Cuba. Em nossa página , além desta contribuição tem outros artigos sobre as medidas implementadas em Cuba e a situação da Venezuela pós Chávez. Na data que escrevemos para Olmedo, Chávez ainda estava vivo. Agora Venezuela está em plena disputa eleitoral com Nicolás Maduro defendendo a continuidade das políticas do período bolivariano impulsionadas por Chávez e do outro lado, Henrique Capriles representando a burguesia reacionária que foi e ainda está sendo auxiliada pela CIA. O debate sobre o caráter de Cuba, assim como da China e Venezuela são muito importantes para chegarmos à política correta para cada situação. São processos distintos e suas origens vêm de contextos também diferentes, por isso entendê-los é uma obrigação de todo o revolucionário que não abandonou as trincheiras socialistas.


Caro Olmedo Beluche


Desculpe a demora na resposta. Mas não queríamos dar uma opinião rápida e que não expressasse as preocupações que temos sobre o tema. Primeiro queremos saudar nosso reencontro, lembrando que mesmo não fazendo contato diretamente, estamos acompanhando suas contribuições e a luta do MPU há muito tempo, vide nossa página www.fortaleceropsol.com.br.

Referente ao seu artigo: ?Cuba, um debate necessário?, queremos afirmar que a escolha do título e o conteúdo do artigo, toca em um tema apesar de antigo, ainda não resolvido pela esquerda, em particular nós de origem trotskysta, os governos e estados originados da ?possibilidade teórica pouco provável? do programa de transição. Ainda mais em tempos de globalização e crise econômica.

Queremos partir de que achamos teu artigo excelente e que temos muito acordo com o texto e caracterizações. Este tem sido um tema que nos tem afastado de grupos de nossa tradição no Brasil e na Argentina. Achamos estas posições muito sectárias e pouco profundas. Eles não têm a preocupação de interpretar a realidade como ela é e não os nossos desejos. Seguimos reivindicando Trotsky e Moreno como revolucionários que responderam a realidade de seu tempo, no caso de Trotsky superando seu tempo. Moreno, foi muito injusto com Cuba. Mas respondia não só a problemas com a política dos cubanos, mas, principalmente ao combate a transposição mecânica da tática de guerrilha para países industrializados e urbanos e que de fato dizimou uma geração de jovens revolucionários. Em particular em seu país, a Argentina.

Gostaríamos de destacar dois pontos e desenvolvê-los logo em seguida: se o Estado é ou não capitalista e a questão da democracia como valor estratégico.

Creio que a melhor forma de entrar no debate sobre a situação de Cuba e sobre como podemos defini-la é partindo do contexto atual e da dinâmica em que se encontra o capitalismo, enquanto sistema mundial. Lembrando que temos poucos dados e informações sobre a real situação daquele país.

Somos da escola socialista que afirma que não existe possibilidade de socialismo em só país. Tu resgatas passagens importantes onde Trotsky precisa alguns trechos no livro ?A revolução traída?, que servem de ponto de partida para uma elaboração sobre o Estado cubano. Se a URSS, na época de Trotsky era uma ?transição entre o capitalismo e o socialismo, um regime preparatório ao socialismo e não socialista?, imagine agora com tudo o que aconteceu, restando somente uma pequena ilha ao lado do principal Estado imperialista da atualidade.

A queda do leste europeu e da URSS e a conversão do Estado Chinês em capitalismo de Estado, enfraqueceu toda e qualquer iniciativa socialista no plano político, prático e ideológico nesses últimos 20 anos.

Quero pincelar outro debate que os revolucionários precisam fazer, o que diz respeito ao caráter de Estado da atual China. Caracterizamos o Estado Chinês atual, como capitalismo de Estado, porque a antiga camarilha burocrática do PCC está em boa parte constituída de novos burgueses, promiscuindo as tarefas do Estado com seus interesses como donos de grandes empresas. O Estado e o PC Chinês utilizam a mais-valia acumulada da nação, para fazer transações no mercado mundial. O problema é que parte substancial da mais-valia roubada dos trabalhadores chineses está servindo para estabilizar a economia americana. O Governo Chinês acumulou reservas monetárias no montante de US$ 2.667 trilhões no terceiro trimestre de 2010, sendo US$ 1.160 trilhões só em títulos do Tesouro dos Estados Unidos.

Essa política, que poderíamos classificar de tática na visão de Moreno ?...toda medida econômica em um Estado Operário é conjuntural , tática... Que significa que é conjuntural e tática? A verdadeira solução do problema é que a revolução vá avançando ganhando novos países...?. O problema central é que a revolução retrocedeu no mundo inteiro. E os mandatários da China querem entrar no núcleo central do capitalismo mundial, não romper com este. Todas suas movimentações vão no sentido de fortalecer suas empresas, infraestrutura (compra de terras e jazidas no exterior, urbanização acelerada e capitação de recursos) para entrar com mais força na concorrência internacional, como país capitalista. Essa é a política da emergente burguesia chinesa, apoiada pelo PCC e amparada pelo Estado Chinês. Portanto, a posição de Moreno não responde ao problema concreto de hoje. Mesmo a questão que Trotsky levava em conta ao tomar posição sobre as medidas adotadas na URSS, como: se está havendo um aumento de consumo dos trabalhadores chineses e aumento real de salário. O fundamental é que a política do governo chinês ajuda ao imperialismo e o sistema capitalista a sair da crise. Não tem uma política de enfrentamento ao sistema. Pelo contrário, sua política é de incorporação soberana ao sistema. Mas como colocamos no início do parágrafo, esse tema é para um debate futuro.

No caso de Cuba não se trata de um balanço histórico sobre as escolhas políticas de Castro, mas sim caracterizar se o Estado Cubano se converteu em um estado capitalista ou ainda é um estado transicional? Portanto, compartimos tua posição de que apesar das medidas adotadas pelo governo cubano, ainda devemos tratá-lo como um estado transicional.

Menos porque coexistem duas moedas, onde uma tenta sustentar uma repartição racional garantindo um mínimo igualitário de bens básicos a preços subsidiados e a outra moeda ? o CUC ? tipicamente capitalista. O centro de nossa caracterização do estado cubano, como um estado transicional está diretamente relacionado à questão das forças produtivas sob controle do estado e sem capacidade da burocracia ou os membros do estado e do partido se apropriarem da renda nacional e transformar a propriedade coletiva em propriedade privada. O problema é político, não somente econômico.

Nesse sentido, para corroborar com essa tese repasso link com estudo do IPEA ?Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ?       http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/livro_russia.pdf  ), onde foi postado estudo sobre a Rússia pós crise de 2008, em que os pesquisadores detalham a situação atual, partindo de uma avaliação do processo de transição econômica da URSS, para uma economia capitalista. O livro ?Uma Longa Transição-Vinte anos de transformações na Rússia?, organizado por André Gustavo de Miranda Pineli Alves. No capítulo 7: ?O Sistema bancário da Rússia entre duas crises?, o autor trata da transição da moeda, banco e crédito de uma economia centralizadamente planificada, para uma economia capitalista. Reproduzo um trecho para ilustrar o conteúdo:

?...O sistema soviético era orientado por metas quantitativas de produção. Nesse sentido, todo o planejamento era feito com base nos fluxos reais. A moeda entrava no sistema de planejamento principalmente como denominador comum da produção, para fins de agregação. A administração monetária não possuía qualquer papel independente, sendo na realidade subordinada aos planos estipulados em termos físicos. A alocação e o controle dos recursos se davam por meio de planejamento ? em diversos níveis -, transferências diretas de recursos orçamentários para empresas estatais e procedimentos administrativos de fiscalização realizados por uma enorme gama de órgãos do Estado. O sistema de preços resultava de decisões administrativas, em vez de responder aos impulsos da oferta e da demanda. Neste sistema, a moeda, assim como os bancos, possuía características diversas daquelas de uma economia capitalista.? .

No mesmo sentido, para ajudar na elaboração recorrerei também a ?A revolução Traída? de Trotsky, para reforçar os argumentos sobre a dinâmica que assume a política cubana:

Pag.50 ?A nacionalização dos meios de produção e de crédito, o monopólio das cooperativas e do Estado sobre o comércio interno, o monopólio do comércio exterior, a coletivização da agricultura e a legislação sobre as heranças pressupõem estreitas limitações à acumulação pessoal de dinheiro e impedem sua transformação em capital privado (usurário, comercial e industrial). Esta função do dinheiro, ligada à exportação, não é, contudo, satisfeita desde o início da revolução proletária, mas transferida, sob novo aspecto, para o Estado comerciante, banqueiro e industrial universal. Por outro lado, as funções mais elementares do dinheiro, medida de valor, meio de circulação, meio de pagamento, são conservadas e adquirem mesmo um campo de ação mais vasto que o próprio do regime capitalista.?

E Moreno arrebata no curso de economia de meados dos anos 80: ?Em contrapartida, Trotsky opinava que o fator decisivo é o político. Inclusive para a acumulação primitiva socialista, e para o desenvolvimento da economia socialista?.

Esse é o centro do enigma atual em Cuba. As medidas mais recentes do governo, com demissão de funcionários públicos e liberação de pequenos negócios, e as duas moedas são para fortalecer a economia socializada ou uma política para estimular a acumulação pessoal de dinheiro, transformando-o em capital privado (usurário, comercial e industrial)?

Acreditamos que Cuba não tem condições política de percorrer o desastroso caminho de Gorbachev, que tinha o objetivo de destruir a centralização e a planificação da economia. O regime de Cuba está constantemente pressionado pela existência de uma burguesia gusana em solo americano.

As medidas adotadas pelos Castros, parecem mais uma tática para resistir à crise, ao bloqueio e ao isolamento pós derrocada do ?socialismo real? do que um retorno ao capitalismo.  

Nesse sentido, a revolução bolivariana com a posição de Chávez ao pautar o socialismo novamente e os acordos econômicos em relação a Cuba, dá uma sobrevida para a Ilha e um oxigênio para os revolucionários do mundo inteiro, em particular ao nosso continente.

O segundo aspecto que gostaríamos de abordar diz respeito à questão da democracia. Mas isso fica para outro momento, pois é mais complexo. Aqui temos enfrentado este debate também com os companheiros do MÊS. Não é um debate secundário, ainda mais diante das propostas vinda dos movimentos de resistência europeus que vêem nas redes sociais a saída alternativa a organização partidária. Posição que somos frontalmente contrários. Dê o nome que se dê, utilizando evidentemente todas as ferramentas de comunicação, é ainda mais do que nunca, é o ?velho? partido a forma de organização da classe que pode dar resposta a uma burguesia super organizada contra nós.

Um abraço,
Mário Azeredo e Berna Menezes

Poa, 28-01-2013.

Fonte: www.fortaleceropsol.com.br
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