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Everton Vieira: A quem serve o debate raso sobre pautas identitárias?

[Everton Vieira: A quem serve o debate raso sobre pautas identitárias?]

"Vou insistir neste debate de que não precisamos articular um sujeito estável do feminismo ou do ativismo LGBT. É preciso entender os limites da política de identidades e a instabilidade gerada por outros fatores como raça, gênero, orientação sexual e, principalmente, a questão de classe."

Estamos errando, companheiros! Erramos quando tentamos criar uma categoria de identidades estáveis e coerentes com os movimentos identitários. É nítido que não há como tais identidades serem estáveis, porque não existe, por exemplo, uma essência da categoria "mulher" ou uma essência da identidade "LGBT". Portanto, vou insistir neste debate de que não precisamos articular um sujeito estável do feminismo ou do ativismo LGBT. É preciso entender os limites da política de identidades e a instabilidade gerada por outros fatores como raça, gênero, orientação sexual e, principalmente, a questão de classe.

Prestemos atenção em como a criação desse sujeito comum e estável pode ser perigosa, partindo de uma notícia hipotética: "Sâmia Bonfim, vereadora do PSOL, quer cassar o único vereador negro, periférico e assumidamente gay da câmara de vereadores de São Paulo."

Estão imaginando isso como título de uma reportagem? Será possível ser solidário com Fernando Holiday porque gays e negros precisam ocupar espaços? Mas ocupar esses espaços de qualquer forma e a qualquer custo? Tenho certeza de que ninguém discorda da ação de Sâmia, que tem sido, inclusive, uma brava guerreira. No entanto, precisamos de um debate franco e sem medo sobre os limites da política de identidade e representatividade.

A afirmação acima sobre Sâmia e Holiday é verdadeira, mas há uma série de coisas não ditas e que ignoramos para criar a estabilidade e fixidez do sujeito oprimido de cada categoria. A noção de um sujeito oprimido mas estável, o tal do essencialismo estratégico e a discussão das pautas identitárias sem atrelamento às pautas gerais da luta da classe trabalhadora podem gerar essas supostas contradições. Mas só aparentam ser contradições porque os movimentos insistem em criar um sujeito "protagonista" que tem "vivência" e "local de fala", com uma identidade invariável, regular ou fixa que não é real.

Holiday é um crápula, fascista e inimigo de classe. Sâmia tem motivos de sobra para pedir sua cassação, mas essa questão precisa servir para sairmos do debate raso que tem nos cercado sobre a tal 'representatividade'. Sou bissexual e Glauber Braga me representa, mas como parlamentar, Clodovil não me representava. Jean Wyllys me representa em muitos aspectos, mas Fernando Holiday não.

Jean Wyllys sofre na Câmara dos Deputados um ataque homofóbico sistemático que Clodovil não sofria com a mesma intensidade, pois este sempre foi subserviente aos interesses do capital. A questão de classe e posição política fazem de Clodovil e Jean sujeitos radicalmente diferentes, com atuações em campos opostos.

É para a questão da instabilidade dessas identidades que tento chamar atenção. Nem todo sujeito que pertence a populações historicamente marginalizadas é nosso aliado. Agora, caso Fernando sofra uma agressão homofóbica, nós precisaremos denunciar. Não pelo Fernando ou em solidariedade a ele, mas em virtude do nosso compromisso com a pauta.

O não aprofundamento da discussão sobre os limites da política de identidade e representatividade, e a insistência em criar ou reforçar categorias estáveis de opressão, continuará nos deixando com a guarda aberta perante acusações de deturpação cabal da representação, fazendo com que tenhamos posições casuísticas e abrindo espaço para contradições concretas. Categorias estáveis de opressão detém a "verdade", colocando as "vivências" como algo inquestionável e capaz de produzir as mesmas sínteses, deturpando o conceito de "local de fala" para privatizar a fala e decidir quem pode falar sobre o quê!

SOBRE OUTRO PONTO...

Falando mais especificamente da pauta gay, o combate à homofobia não deve perder o caráter estrutural e coletivo. Não se pode ter como regra a culpa individual pela reprodução da homofobia, porque o sujeito que reproduz a homofobia também não é estável e fixo. Um dirigente que já teve a oportunidade de debater a questão dezenas de vezes e uma trabalhadora da limpeza de uma escola não podem receber o mesmo tratamento quando reproduzem falas lesbofóbicas ou homofóbicas, porque há táticas diferentes para lidar com o mesmo problema estrutural. É preciso encarar o debate sobre o sistema impor a LGBTfobia à nossa classe, da mesma maneira que impôs o modo de produção capitalista. É necessária uma consciência de classe apurada para não cometer escrachos e, sim, adotar atitudes pedagógicas que possam criar empatia e compreensão para a luta que travamos.

Lembrem-se de Marx:

"De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades".

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