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Glauber Braga: A fervura revolucionária da militância necessária para subverter a “teoria do equilíbrio”.

[Glauber Braga: A fervura revolucionária da militância necessária para subverter a “teoria do equilíbrio”. ]

“A dor da gente é dor de menino acanhado. Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar. Que salta aos olhos igual a um gemido calado. A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar. (..) Moinho de homens que nem girimuns amassados. Mansos meninos domados, massa de medos iguais. Amassando a massa a mão que amassa a comida. Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais”. (SODRÉ&PORTUGAL, “A MASSA”)

* Por Herberson Sonkha

O fragmento citado acima foi retirado da letra “A Massa” de Raymundo Sodré e Jorge Portugal, uma canção muito oportuna para os tempos atuais porque nos remete a urgente reflexão crítica acerca da dor do nordestino. Na compreensão dos dois compositores baianos, a dor não se limita apenas aos nove sofridos estados do nordeste, mas aos oprimidos e oprimidas de todo o país. Uma voz que se atualiza ao se dar conta de que o país vive sob o jugo da institucionalização fascista da ditadura liberal burguesa ultraconservadora, deixando a maioria da população brasileira rangendo os dentes de baixo desse governo genocida formando por fascistas milicianos. Ao contrário do que dizem os liberais defensores da “teoria do equilíbrio”, é preciso desequilibrar o jogo para preservar a vida, restabelecer a humanidade e radicalizar às mudanças.

Nada melhor do que “A Massa” para ativar a memória, um samba-chula gravada nos anos 80, ritmo musical dançante muito comum na região do recôncavo baiano, mas a letra foi escrita em 1977. A música ousava denunciar as atrocidades sanguinárias e as injustiças socioeconômicas do Brasil sob a égide da ditadura civil-militar. Raymundo Sodré conhecia bem a opressora realidade da Bahia governada pelo carrasco coroné Antônio Carlos Magalhaes (ACM), lambe bota de general.

Sodré diz que essa musicalidade vocaliza também a sua sofrida região do recôncavo e conta que a letra surgiu ao assistir uma matéria na televisão em que a classe média brasileira que apoiou o golpe de 1964 (e a ditadura que vigorou até 1985) reclamava muito. Imagino que sua irritação com a vira-latisse da classe média era tamanha que o levou a perguntar a si mesmo: “imagine o pessoal da mandioca”, que nem tem onde e nem aonde chegar para ter direito de chorar. 

Mais de quarenta anos depois, a conjuntura nacional sombria continua rondando o imaginário reacionário da mesma classe média vendida. Afinal, é com seu apoio que o genocida de plantão no poder político para a burguesia, latindo feito cão vira-lata raivoso e sarnento, quase emplacou outro golpe. Por isso, não se pode negar que a população brasileira ainda não aprendeu a lição, e, por isso, continua sentindo a dor. Não há como expressar porque mental e emocionalmente vem se comportando como um menino acanhado, tímido e amedrontado, como diz a letra "a dor da gente é dor de menino acanhado".

Por isso, ao invés de fazer choro pelo “leite derramado” como fazem alguns arrependidos de classe média vira-lata para convencer da importância e primazia da candidatura do Lula (nós não negamos isso), a militância psolense não pode esfriar, pois precisa da fervura que é a repulsão política revolucionária correndo insubordinadamente na veia política da “luta de contrários”.

Braga deve se pautar por um programa orgânico da classe trabalhadoras e das populações subalternizadas para percorrer o país debatendo com as massas. Além de evitar o morticínio de lideranças de todas as correntes internas do partido como fez o PT para evitar a alternância interna. Não podemos nos limitar apenas à meia dúzia de excelentes camaradas para disputar a sociedade com as forças sociais liberais progressistas ou ultraconservadoras. Da mesma forma que não pode e nem deve ser uma luta fraticida que cause fissuras internas no campo de esquerda, pelo contrário, o PSOL ser mais uma força orgânica de esquerda disputando programaticamente lugares que até ontem “pertenciam” ao PT, mas que agora são regiões inóspitas, totalmente incessíveis ao petismo.

Aqui está dada a centralidade da luta, a motivação e a explicação de como se pode compreender e instrumentalizar as contradições na dinâmica social para alterar a correlação de forças, sublevar as forças opressoras para erigir de baixo pra cima o contra golpe no coração do liberalismo que vela pelo capitalismo. Sem isso, não conseguiremos expandir de forma incessante as energias criativas que convulsionam no interior da sociedade burguesa, mesmo sendo de compreensão difícil por serem demasiadamente complexas.

A base da analogia é uma interdisciplinaridade que possibilita tomar emprestado a categoria da física chamada termodinâmica, para investigar o estado de relativo repouso, latência e a expansão das forças a partir de um conjunto de leis com as quais as ciências físicas governam o mundo e as relações entre calor, trabalho e outras formas de energia, convertida em um tipo particular de energia emancipada.

Compreender esse movimento que não só transforma energia em outra energia necessária para desencadear o desenvolvimento de trabalho, mas também mostra a direção das trocas de calor. O calor, trabalho e as energias que decorrem desse deslocamento que põe em movimento determinadas forças latentes que ao interagirem, atritam entre si, aumentando a temperatura do líquido a um limite que se aproxima de 100°C, que o coloca em movimento pela elevação do calor um corpo em relativo repouso.

A sociedade de senso comum é como a chaleira de alumínio ou de ferro que não permite enxergar as moléculas se movendo em profunda abolição no interior do recipiente. Só se movimenta se transformar em bolhas, deixando a sua forma primeira que é liquida para vaporizar-se, modificando seu estado para gasoso e erigir à superfície para se expandir. O caminho para derramar o leite e inundar a sociedade está no calor da militância que organiza as massas para fermentar o seu levante. Poderíamos compreender perfeitamente por meio da analogia que a sociedade é essa chaleira que domina-conforma a classe trabalhadora contornando-a feito o liquido para impedir que se levante contra as barreiras que impõe limites rígidos que a impede de se expandir.

Como na sociedade moderna se tem a ideia massificada de liberdade, as pessoas não enxergam as paredes, grades e as correntes físicas que a fazem de prisioneiras, pois não se sabe se está preso e vive-se o tempo de sua geração sem ter consciência de que é mantido cativo por essa forma de claustro que existe há mais de quatro séculos. 

Para compreender o fenômeno sócio histórico para além da unidade aparente das coisas dadas, que geralmente esconde o movimento real que ocorre na essência do objeto, é necessário analisar detidamente a sua dinâmica, a frequência de determinados eventos e as suas contradições intrínsecas mais complexas.

O método marxiano é essa lente que aumenta as dimensões quase invisíveis a olho nu para mostrar as contradições e a direção e velocidade que o movimento tende a se mover no tempo-espaço, possibilitando apontar para um determinado padrão de desenvolvimento que é de fundamental importância para orientar a estratégia das instituições políticas orgânicas da classe trabalhadora. 

Como marxiano em estudo, não estou circunscrito a dogmatizarão de alguns matizes marxistas, mas é inegável as inúmeras contribuições de intelectuais orgânicos da classe trabalhadora que as tornaram clássicas para compreensão do desenvolvimento categorial que permite acompanhar o movimento real de reprodução de capital e as atualizações da plataforma que roda o sistema capitalista, a partir de categorias analíticas marxiana.

Do leito ao desenvolvimento histórico da sociedade com base no método dialético marxiano, que de per si considera um desenvolvimento na perspectiva de processo contraditório, uma luta incessante entre contrários. Aliás, essa questão é seminal na concepção dialética e materialista da natureza, da sociedade e do pensamento. Como disse, Lenin é o grande teórico que nos lega essa essência que nucleia a dialética, princípio analítico de objetos e dos fenômenos. 

Em Lenin, a essência dos fenômenos, dos objetos e dos processos estão perpassados por contradições, o que auxilia na descoberta do próprio manancial do desenvolvimento e de transformação da natureza e da sociedade. A isso, Lenin identifica como sendo a razão da inevitabilidade que faz desaparecer o velho e o nascimento do novo, identificando também o caráter progressivo do incremento que se move do simples ao complexo, inferior ao superior.

A esquerda marxiana torna essa questão central por compreender sua urgência, portanto não se permite negligenciar em hipótese alguma a afirmação das contradições intrínsecas às coisas e aos fenômenos, evitando cair na cilada liberal ou estelionato teórico que impõe um esganiçado combate que divide dialéticos e metafísicos no percurso de toda a história do desenvolvimento do pensamento filosófico.

A única forma de não cair nessa cilada é admitir duas concepções de desenvolvimento do pensamento humano antípodas, trata-se da concepção dialética e metafisica, sendo essa última fundamentada por um evolucionismo vulgar. Os evolucionistas vulgares (metafisica) avaliam que o desenvolvimento é algo matematizado pela adição ou subtração, algo simples que aumenta ou diminui os objetos e os fenômenos. Mas, afirmam que esse movimento de mais ou menos é definido por uma força alheia, portanto, externa aos objetos e fenômenos, negando peremptoriamente a luta entre o novo e o velho.

Os defensores da metafisica são liberais argumentando que qualquer coisa ou objeto, não pode coexistir simultaneamente com características contrárias a si mesmo, refutando de modo inexorável o caráter intrínseco das contradições. Excluídos os objetos e os fenômenos, os metafísicos ponderam e consideram haver contradições apenas na dimensão do pensamento. Neste sentido, o professor de mecânica, filosofo, sociólogo e economista liberal alemão, Karl Eugen Dühring, afirma que "o contraditório é categoria que só pode referir-se à combinação de pensamentos, mas de forma alguma à realidade.", que é contraposto por Lenin nos Cadernos filosóficos (Rússia, 1947, pg. 328) ao escrever que ''o automovimento fica na sombra, não se percebe sua força motriz, sua fonte, seu motivo (a menos que seja transferido para o exterior, invocando um 'deus', um ser-sujeito, etc.).”, concluindo que isso faz dessa concepção de desenvolvimento um movimento em círculo ad eternum.

Lenin expõe a incapacidade da metafisica para encontrar o conteúdo presente no interior do processo de desenvolvimento, de modo que o impede de explicitar o processo de metamorfose das modificações quantitativas em qualitativas. No sentido dado pela metafisica de Dühring, não existe espaço para o surgimento do novo, que é condenado ao degredo que o confina dentro dos limites intransponíveis do território do velho, encarcerado no círculo imutável que se perpetua repetidamente,  diante dessas circunstancias Lenin diz que "é morta, estéril, árida".  

Lenin não só infirma a mecanicidade da metafisica do sociólogo alemão Dühring, como questiona o edito que define tal concepção, colocando em suspeição as conclusões desses metafísicos que afirmar que a terra e o imenso mundo orgânicos e inorgânico, com vários milênios de vida, permanece inalteráveis porque o processo de desenvolvimento  é uma simples quantificação (aumento e diminuição) de características, algo que surge plenamente pronto e que se mantem ao logo de sua existência do mesmo jeito que foi “colocando no mundo” ou se originou.

Essa concepção afirma que toda a história do desenvolvimento da sociedade humana se resume num único e inalterável movimento fechado em si mesmo, portanto a humanidade ficou rodando em torno de si mesma e no mesmo lugar há milênios de anos. Embora admitam a existência de contradições, infirmam peremptoriamente a concepção dialética-materialista ao negar com veementemente a característica básica que distingue a perspectiva dialético-materialista das contradições (desdobramento da unidade, como luta dos contrários dentro do objeto) admitido pelos metafísicos. Argumenta-se que o seu reconhecimento de tais contradições se limita a penas as considerações sobre contradições externas entre objetos e fenômenos diferentes. 

O que propõem os metafísicos para “sanar” essas contradições alheia aos objetos e aos fenômenos senão construir uma “teoria do equilíbrio” para oferecer a burguesia a tese do “capitalismo organizado” que recusa de maneira extremada todas as contradições existentes no interior do capitalismo, as contradições nas relações entre trabalho e capital e a inelutável luta de classes entre capitalistas e a classe trabalhadora e as contradições entre forças produtivas e as relações de produção.

A celebre “teoria do equilíbrio” serve de suporte para as exposições no campo da filosofia que aceita “socialistas” de direita espalhados pelo mundo pregando a harmonização entre classes antípodas com base nessa hipótese retrograda de transformação idílica e gradativa do capitalismo ao socialismo.   A única forma da “teoria do equilíbrio” prosperar é vociferar contra o método marxiano ou os vários matizes de marxismos, convertendo-se ao credo de arqui-inimigos da revolução socialista. A metafisica é o manto filosofal retrógado que aquiesce liberais, sobre o qual inimigos da classe trabalhadora e das populações subalternizadas pela própria burguesia escamoteia seu infame ativismo antimarxiano e antimarxistas.

Derrotar a metafisica dos liberais é  aumentar a temperatura para derramar o leite, tarefa inescusável de todos os  militantes orgânico da classe trabalhadora em todas as áreas do conhecimento científico e na sociedade. O momento exige da militância a leitura crítica e o debate profundo do artigo de Lenin intitulado “A Propósito da Dialética”. Sem o qual, a luta incessante de contrários versus a unidade burguesa arregimentada hegemonicamente pela concepção metafisica continuará avançando contra nós socialistas e comunistas e não se reverterá, pois urge a necessidade de acessar a origem e o desenrolar no processo histórico do automovimento e do autodesenvolvimento.

O combate entre contrários ocorre na natureza e na sociedade e se constitui no alicerce basilar de todo desenvolvimento, posto que tudo que existe obedece a lei do desenvolvimento, do contrário não se transformaria, mantendo-se inalterável. Sobre isso, Lenin escreve (Rússia, 1947, pg. 327) "O desenvolvimento é a ‘luta' entre os contrários.” Fora dessa perspectiva do materialismo histórico dialético prevalecerá a "teoria do equilíbrio"  e  não há nenhum desenvolvimento aberto e fecundo, de modo que “somente ela nos dá a chave para os 'saltos', para as 'rupturas de continuidade', para a 'transformação no contrário'; somente ela nos faz  compreender a destruição do velho e o nascimento do novo.” (LENIN, 1947).

Herberson Sonkha foi professor de Filosofia e Sociologia de cursinhos da rede privada em Vitória da Conquista. Estudou Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), mas não concluiu. Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Foi membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores. Atualmente é militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), dirigente municipal e estadual da corrente interna Fortalecer.


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