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“O principal impacto dessa vitória é o aprendizado de que mudanças são possíveis”

[“O principal impacto dessa vitória é o aprendizado de que mudanças são possíveis”]

Freixo avalia os desafios do PSOL e do seu mandato  nos próximos quatro anos

O quarto candidato do partido eleito a ser entrevistado pelo site do PSOL Nacional é o deputado estadual Marcelo Freixo, o segundo mais votado do Rio de Janeiro com 177.253 votos. Com uma campanha fortemente marcada pela participação da militância, especialmente os jovens, e pelo apoio de artistas cariocas, Freixo alcançou um grande êxito mesmo com poucos recursos financeiros. Em suas respostas ele explica como isso foi possível e avalia os desafios do PSOL e do seu mandato  nos próximos quatro anos. 
 
Como você avalia a campanha desse ano em relação às outras pelas quais já passou? 
 
Já passei por campanhas em diferentes papéis, como militante ou como candidato. A campanha mais marcante como militante foi a de 1989, e a que gerou mais expectativa foi a da vitória do Lula em 2002. Como candidato, esta última campanha foi muito diferente da anterior. Na primeira, o objetivo foi fazer com que as pessoas soubessem que eu era o candidato. Por dentro da frente de esquerda, o desafio foi conquistar a posição de mais votado. A conjuntura se caracterizava por um contexto mais favorável que o da campanha atual. O PSOL era um partido recém-criado, que tinha como carro-chefe a oposição às reformas neoliberais do governo Lula (principalmente a reforma da Previdência) e a denúncia do processo de corrupção, que teve como marco simbólico o caso do mensalão. O PSOL se apresentava então à sociedade como alternativa pela esquerda ao PT: ?um novo partido para uma nova política?. Nesta última campanha, ocorreu o inverso. Enfrentamos uma conjuntura muito desfavorável e disputamos o voto social. Com Lula em alta e detentor de imenso percentual de avaliação positiva, o PSOL ainda em construção e ainda sem se firmar como oposição de esquerda, nós enfrentamos um quadro de profunda despolitização da política. O quadro de correlação de forças se tornou extremamente desfavorável para a esquerda e o PSOL.
 
Dessa vez, ser um dos mais votados de todo o Estado era a única forma de ampliar a representatividade do partido na Alerj. Encontramos muitos elementos desfavoráveis em função de um sistema político injusto e desigual. Precisamos urgentemente de alterações das regras eleitorais e de representação política. É necessário rever o modelo de financiamento das campanhas e o critério de distribuição de tempo no programa eleitoral gratuito de rádio e de TV, que, hoje, só serve para ampliar as desigualdades nas disputas eleitorais. Mas conseguimos driblar todos os obstáculos e fazer uma campanha correta em todas as suas dimensões. Usamos como âncora as realizações do primeiro mandato. Propostas e promessas não sustentariam apoios com forte peso social (artistas e figuras públicas), a força militante e o espaço obtido na grande mídia. As ações do mandato nesses quase quatro anos, sim. Além disso, a política correta do partido na divisão do pouco tempo de TV (20 segundos no total) e rádio foi fator decisivo para agrupar uma votação que fez crescer em 13 vezes os votos no Estado e mais de 16 vezes os votos na capital. Contamos com apoios públicos importantíssimos como os de Wagner Moura, Fernanda Torres, Marcelo Serrado, José Padilha, André Mattos, Maria Ribeiro, Ivan Lins, Marcelo Yuka, Mc Leonardo e precisávamos poder mostrar tais apoios para a população. Essa correta política do partido na divisão do tempo de TV e de rádio garantiu tanto a divulgação do nosso nome, como das nossas ações parlamentares e dos apoios conquistados. Podemos dizer, portanto, que deu tudo certo: acertamos na tática de campanha, o PSOL acertou em sua política eleitoral no Estado e transformamos a massa crítica de apoio ao mandato em força eleitoral. Foi uma verdadeira vitória coletiva na qual a solidariedade superou os ?homens- máquinas? e ?homens-placas?. Pela primeira vez, o PSOL conseguiu que dois deputados chegassem, com seus votos, a superar de longe o coeficiente eleitoral e, desse modo, agrupando uma quantidade decisiva de votos capaz de eleger mais um parlamentar à Alerj e ao Congresso Nacional. 
 
Qual foi o papel da militância nesse processo?
 
A militância foi um dos fatores decisivos da nossa vitória. A militância deu corpo, nervos e músculos, a criação de uma grande rede de solidariedade; animou, mobilizou e fez a campanha ganhar vida nas ruas e no mundo virtual; construiu atividades de mobilização e festas que ficarão na nossa memória. Na campanha de 2006 já vivemos várias atividades inesquecíveis. Mas nessa campanha foram incontáveis as atividades (encontros, reuniões, festas, plenárias, mobilizações etc). Tudo isso permitiu a construção de um bom senso de campanha coletiva, tanto para os que faziam nossa campanha quanto para os que a olhavam de fora. Os militantes dos movimentos sociais, das entidades populares, do PSOL e vários ativistas voluntários, novos, foram às ruas por ideal, sem receber um real (recado que foi parar no peito dos militantes em camisa que foi bastante disputada aqui no Rio). Tudo isso fez da nossa campanha um processo rico, pedagógico, enriquecedor, emocionante e bonito. Como pretendíamos, desde o início, a campanha tinha que sair do controle, precisava se tornar um movimento em defesa da continuidade do mandato e isso ocorreu. Agrupamos, aglutinamos e transformamos a força de disputa hegemônica do mandato pela mudança ? nada deve parecer impossível de mudar ? em um movimento catalizador. As pessoas construíram um sentimento de pertencimento à campanha, assim como fizeram com o mandato. E transformaram esse sentimento em força de ação transformadora. Essa militância reuniu gente de todas as idades, mas houve, sem dúvida, uma predominante participação da juventude. 
 
Na sua avaliação, qual impacto sua reeleição traz para a política brasileira e do Rio de Janeiro?
 
O principal impacto dessa vitória é o aprendizado de que mudanças são possíveis. E esse aprendizado resultou da experiência do mandato no enfrentamento do crime organizado, do que há de pior na política, dos setores mais reacionários, dos podres poderes. Entramos nesse enfrentamento e saímos vencedores, política e eleitoralmente. A frase do Brecht que guiou a primeira campanha e o próprio primeiro mandato, ainda se mantém atual: ?Nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar?. Mas temos ainda muito para analisar. Nós já não somos os mesmos. E, para além da enorme votação, mais de 177 mil votos, temos ainda o impacto do filme Tropa de Elite 2. Futuramente, teremos de fazer uma boa análise desse processo. Hoje ainda está cedo para saber o nosso tamanho e o quanto representamos. O que já podemos dizer é que nossa responsabilidade cresceu muito e os desafios são ainda maiores para o próximo período. 
 
Você foi o segundo deputado estadual mais votado do Rio. Isso te surpreendeu? A que você atribui esse resultado?
 
Claro que o resultado surpreendeu. Somos da esquerda, de uma tradição democrática, de ação de massas apaixonante, mas sem dinheiro. A solidariedade construída no mandato e na campanha permitiu um volume de contribuição, inclusive financeira, que nós mesmos não tínhamos como avaliar. Mas sabíamos que seria possível ter uma votação bastante alta se acertássemos politicamente no processo eleitoral. Não tivemos sapato alto, fomos humildes, não nos conformamos com o ?já ganhou?. Pelo contrário, em todo momento da campanha lembramos o quanto era importante o voto de cada companheiro e companheira para uma vitória eleitoral. Sabíamos, na última semana, que já acumulávamos uma vitória política magnífica. Mas só quando as urnas foram abertas é que constatamos que a vitória eleitoral também ficaria para a história. Nesse quadro de conjuntura desfavorável, com uma campanha absolutamente desigual, na qual os vencedores, em geral, são os candidatos da antipolítica e das campanhas milionárias, só poderíamos ter vitória se as ações do mandato e o que agrupamos de apoio crítico fosse o carro-chefe da nossa campanha. Tudo isso foi fortalecido pela política do partido. Daí veio a nossa vitória. Temos de fazer uma boa avaliação dessa mancha que a nossa vitória representa no resultado eleitoral do Estado e do país. A esquerda não sai vencedora desse processo e não podemos deixar que a nossa animação seja obstáculo para uma análise correta dessa disputa. Vale a comemoração. Mas temos o desafio de pensar o quadro eleitoral com seriedade e compromisso para enfrentar os desafios do futuro. 
 
Quais são as prioridades do seu próximo mandato?
 
A nossa prioridade será aprofundar as lutas nas frentes já existentes, com foco nos direitos humanos e educação, assim como enfrentar as mudanças que ocorrem no Rio de Janeiro que se relacionam ao projeto de cidade em torno dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Mudanças que já iniciaram com as UPPs, mas que serão aprofundadas pelas classes dominantes no próximo período. Temos, sim, como desafio discutir o projeto de cidade e o faremos. Seguimos com um mandato de propostas qualificadas, criativas e combativas em defesa da melhoria da vida da população, principalmente dos mais pobres. Continuaremos ativos na luta contra a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. Temos o desafio de construir um mandato ainda mais participativo. Mas estamos apenas iniciando essa discussão com os nossos aliados das entidades populares, dos movimentos sociais, da intelectualidade, com as figuras públicas e o próprio PSOL. O que podemos afirmar, nesse momento, é que manteremos e aprofundaremos as lutas que travamos nesses quase quatro anos de mandato. 
 
O PSOL alcançou ótimos resultados em alguns Estados, como no Rio e no Pará, por outro lado não conseguiu eleger nomes conhecidos e respeitados como Luciana Genro, Heloisa Helena e Raul Marcelo. Como você vê o futuro do PSOL e sua consolidação na política brasileira? Como você avalia esses os resultados citados?
 
Lamentamos muito a não reeleição da Heloisa Helena, da Luciana Genro e do Raul Marcelo. São nomes que vão fazer muita falta no cenário político nacional e para a população dos seus estados. O PSOL perde, mas a população é, sem dúvida, quem mais perde nesse processo. O PSOL é um partido necessário em um momento no qual a sociedade anda órfã de partidos de massa, com vocação democrática e tenham na sua pauta a luta por socialismo e liberdade. Cabe ao PSOL se construir na vida política do país como essa referência necessária para a maioria da população. O PSOL se consolidará na política brasileira se conseguir uma oposição programática que apresente alternativas à sociedade e contribua para fortalecer os movimentos sociais existentes. Precisamos ser um partido para a ação, que possa dirigir uma forte frente por mudanças com a bandeira do socialismo às mãos. Isso demanda do nosso partido muita organização interna, funcionamento das instâncias ? com destaque para os núcleos ? democracia e unidade política. Desse modo, o partido poderá servir como alternativa de organização independente para a grande massa de jovens, especialmente dos pobres, negros e favelados do nosso país. É necessário recuperar a boa tradição da luta estudantil e operária, superar os modelos conservadores da esquerda com a consolidação de alternativas novas de luta, de organização e de uma cultura política na qual o trabalho coletivo e a solidariedade se tornem pesos fundamentais no projeto de mudança da realidade brasileira. Precisamos nos firmar como alternativa para milhões de pobres, apresentar uma linguagem que permita o diálogo com a grande maioria da população e unificar todos os setores que estão em oposição com a prática do lucro acima da vida. Os direitos humanos, em todas as suas dimensões, precisam se colocar acima do lucro e a serviço da grande maioria do povo. O PSOL pode superar esses desafios e ser esse instrumento, esse meio político de que necessitamos. Para que isso se torne realidade, mesmo em uma conjuntura desfavorável, tudo depende muito do próprio PSOL.
 
 
 
Perfil:
 
Marcelo Freixo, 43 anos, é professor de História e milita há 20 pelos Direitos Humanos. Participou de projetos educativos no sistema penitenciário e foi membro do Conselho da Comunidade do Rio de Janeiro.
 
Em 2007 assumiu o primeiro mandato como deputado estadual do PSOL, na Alerj. Presidiu a CPI das Milícias, que indiciou 225 envolvidos e apresentou 58 medidas concretas para acabar com essa máfia.
 
Denunciou fraude no auxílio-educação na Alerj, o que levou à cassação das deputadas Jane Cozzolino e Renata do Posto. Pediu a cassação do deputado e ex-chefe de Polícia Álvaro Lins (acusado de lavagem de dinheiro, entre outros crimes).
 
Entre as suas iniciativas legislativas, destacam-se: as leis que reconhecem o funk como atividade cultural, a lei de prevenção à tortura e as emendas constitucionais para a efetivação dos animadores culturais na rede estadual de ensino e para ampliação para seis meses do aleitamento materno das servidoras estaduais ? conquistas realizadas porque foram pensadas e organizadas em conjunto com os movimentos sociais.
 
Freixo é o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Alerj e também tem ativa participação na Comissão de Educação.
Fonte: www.psol50.org.br
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