Início | Artigos |

Paul Krugman: ?A realidade jamais esteve à altura do sonho americano?

Paul Robin Krugman

? Os Estados Unidos conheceram recentemente um ciclo de expansão econômica importante, sem embargo as desigualdades e a pobreza cresceram. Como o explica?

Isso responde, em grande parte, a uma mudança nas relações de força políticas. A massa dos assalariados perdeu muito poder de negociação e como o explico em meu último livro(1), as condições políticas têm uma influência essencial na distribuição da renda.

? Qual foi o papel das políticas seguidas pelo governo de Bush?

Bush fez duas coisas. Modificou o sistema fiscal num sentido muito regressivo, com fortes baixas nos impostos sobre as rendas mais elevadas, os dividendos e os lucros de capital. Isso beneficiou os mais ricos e ao mesmo tempo reduziu os fundos disponíveis para as políticas públicas e a ajuda aos mais necessitados. Podemos estimar que entre 35 e 40 por cento das reduções de impostos de Bush beneficiaram as pessoas que ganham mais de 300.000 dólares por ano (ao redor de 210.000 euros), o que representa uma redistribujlção importante a favor daqueles que são justamente os que melhor estão em condições de pagar impostos. O governo de Bush, por outro lado, acelerou a perda de poder de negociação dos assalariados, reduzindo muito fortemente toda possibilidade de organização sindical.

? Qual é o papel da mundialização no aumento das desigualdades?

Deveria, em princípio, contribuir, mas enquanto as forças da mundialização afetam todos os países desenvolvidos da mesma forma, a distribuição da renda é diferente segundo o país. Os Estados Unidos forman parte daqueles em que as desigualdades cresceram muito. É menos certo no Canadá, que está tão aberto como nós, e é menos certo na Europa continental. As desigualdades aumentaram muito no Reino Unido, ainda que isso se produziu essencialmente durante os anos de Thatcher. As condições políticas nacionais predominam, pois, sobre a mundialização, e foi nos Estados Unidos onde criaram um avanço maciço das desigualdades.

? Os norte-americanos podem contar com uma forte mobilidade social para combater as desigualdades?

Não. Alguns indivíduos logram ascender na escala social, mas não tanto como nos gosta imaginá-lo. As histórias de pessoas que saem da pobreza e se tornam ricas são muito, muito raras. Há só 3 por cento de pessoas nascidas entre os 20 por cento mais pobres que acabam sua vida entre os 20 por cento mais ricos. Os Estados Unidos até parecem, na medida em que se pode medir essas coisas, registrar o grau mais débil de mobilidade social entre os países avançados.

? O sonho americano está então morto?

Não. De qualquer maneira, a realidade jamais esteve à altura do que o sonho americano deixava esperar. Mas nós começamos a despertar!

? Que políticas teriam que ser aplicadas para lutar contra esta situação social degradada?

Em princípio pôr em marcha um sistema de seguro sanitário que cubra toda a população. Todos os países avançados o têm. E a ausência de cobertura social representa uma das primeiras causas da desigualdade e da perda de mobilidade social. Logo, é preciso estabelecer um sistema educativo melhor, o que passa por reformas, mas exige igualmente novos recursos. Enfim, é necessário aumentar o poder de negociação dos assalariados, facilitando a formação de sindicatos. O declínio do movimento sindical não resulta de uma tendência inevitável a longo prazo: mais da metade da perda de poder dos sindicatos teve lugar durante a era Reagan. Tudo isto permitiria aumentar o número de empregos e as rendas destinadas à classe média. Poderíamos fazer uma longa lista de medidas, sem embargo penso que pôr em marcha uma cobertura universal de saúde, que é algo que se pode fazer, é uma prioridade e  representaria um grande passo adiante.

? Como se financia tudo isto?

Não é tão custoso como geralmente se pensa. Nós temos atualmente um sistema um pouco particular: dizemos não ter uma cobertura médica pública, mas todas as pessoas maiores de 65 anos recebem uma assistência financeira pública, também as mais pobres. Se tomamos o total das ajudas disponíveis, mais da metade da cobertura em saúde está já assegurada pelo Estado.  As pessoas não asseguradas hoje são os jovens ou as familias jovens, as que pela precária qualidade dos empregos e seus ingressos insuficientes não podem ter os benefícios de um seguro de saúde privado. Estas pessoas não custam muito caro em termos de uma cobertura de saúde. Assegurar uma visita médica regular, um controle dental, etc. Não é muito oneroso. No total, representará menos de 1 por cento do PIB.

? Você reclama em seu livro uma nova política fiscal?

Num plano geral, necessitamos mais ingressos. É necessário suprimir os baixos impostos estabelecidos por Bush porque sabemos que são inúteis. Tivemos uma economia muito próspera sob o governo de Clinton com uma taxa de impostos sobre as rendas superiores ao 39,6 por cento, e uma economia menos próspera com Bush apesar de uma taxa de 35 por cento. Não há um só argumento racional para seguir na mesma via. Por outro lado, não há razão para aceitar os paraísos fiscais e desvios que eles permitem. Finalmente, há uma margem para aumentar as cargas fiscais sobre os mais ricos. O objetivo não é penalizar a gente rica, consiste somente em fazê-la pagar sua parte do financiamento das políticas públicas que o resto da população necessita.

? A pesar dessa morosidade social, os Estados Unidos continuam sendo a primeira potência econômica mundial. Como o explica?

Os Estados Unidos continuam sendo um lugar privilegiado para 5 por cento dos mais ricos. As rendas dos dirigentes são elevadas. É uma sociedade aberta. Nós tratamos muito bem de nossas elites. Como acadêmico, sempre me surpreendeu a abertura e a competitividade do mundo intelectual norte-americano em relação ao relativamente mais cerrado da Europa, ainda que ultimamente haja melhorado. Mas vivemos também de nossos lauréis. Os Estados Unidos foram, de longe, os primeiros a adaptar as novas tecnologias. Isso já não é verdade. Nós registramos agora um certo atraso em relação a outros países. Uma boa parte da força econômica atual dos Estados Unidos não é mais que o eco do avanço que nós tivemos nos anos 90.

Nota
(1) L´Amérique que nous voulons, Ed. Flammarion, 2008.
Tradução para www.sinpermiso.info: Carlos Abel Suarez
Tradução para o português: Sergio Granja

*Paul Robin Krugman (nascido em Nova Iorque, 28 de Fevereiro de 1953) é um economista judeu norte-americano. Autor de diversos livros, também é desde 2000 colunista do The New York Times.
Atualmente é professor de Economia e Assuntos Internacionais na Universidade Princeton. Em 2008, recebeu o Nobel de Economia por um trabalho anterior à atuação como colunista do The Times, que tratava da dinâmica da escala - quantidade de produção - na troca de bens entre os países.
Foi um crítico da "Nova Economia", termo cunhado no final da década de 1990 para descrever a passagem de uma economia de base principalmente industrial para uma economia baseada no conhecimento e nos serviços, resultante do progresso tecnológico e da globalização econômica.
Krugman tem sido também um notório crítico da administração George W. Bush e sua política interna e externa - críticas que ele apresenta em sua coluna do The New York Times. É geralmente considerado um Keynesiano.
Ao contrário de muitos "gurus" da economia, Krugman também é considerado por seus pares como um importante colaborador em estudos. Krugman escreveu mais de 200 artigos[1]e vinte livros ? alguns deles acadêmicos e alguns escritos para o público leigo. Seu livro International Economics: Theory and Policy é um livro-texto básico para o estudo da economia internacional.
Em 1991 ele recebeu a prestigiosa medalha John Bates Clark, dada pela American Economic Association.

[Voltar ao topo]