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POR UMA SAÍDA POSITIVA DA CRISE

Professor da UFRGS- Carlos Schmidt

 A crise que está instalada na economia mundial e que já incide sobre o Brasil, mostra para os mais empedernidos liberais a falência das suas teorias e, sobretudo, de suas políticas econômicas.
     Mais uma vez quem vai pagar esta fatura são os trabalhadores, os aposentados, os pequenos poupadores e a população mais pobre. Os funcionários do capital têm saído das instituições falidas com gordos bônus que lhes garante uma confortável aposentadoria precoce.
     Como diz Cláudio Katz , não se pode fazer uma análise superficial da crise. Esta tem raízes no aumento da taxa de exploração, que produz excedentes que não encontram oportunidades de valorização na esfera produtiva, deslocando-se, portanto, para valorização financeira, que por sua vez, se descola cada vez mais da economia real, criando espaço para crises.
     Não vamos discutir as ações de governo de sustentação do sistema financeiro fragilizado pela crise.
     Não parece, no entanto, haver dúvida que a crise atingirá a economia real, principalmente, devido à integração do Brasil na economia mundial e ao comportamento especulativo do empresariado nacional, que nesse particular é semelhante aos empresários/investidores dos demais países capitalistas.
     A redução do crescimento do PIB, a estagnação ou mesmo recessão são efeitos possíveis o que determinará desemprego e fragilização das políticas sociais.
     A política macroeconômica atual é extremamente ciosa em relação a sensibilidade do mercado financeiro. A razão apresentada é que qualquer atitude que este interprete como pouco amigável, poderia causar fuga de capitais, portanto uma catástrofe.
     Se, atualmente, o mercado pela sua própria dinâmica está causando a catástrofe, não seria o momento de desenvolver uma política econômica que protegesse a economia real desta (catástrofe)?
     É certo que uma política contracíclica não pode prescindir do controle do movimento de capitais, assim como medidas complementares na área do câmbio, controle dos bancos, etc.
      As autoridades monetárias falam de um colchão de divisas (reservas de U$200 bi) para enfrentar a crise. Será que esperaremos chegar ao fundo do poço e ver estes U$ 200 bi partir em fumaça, para aí sim tomar medidas de controle em caráter de emergência?
     O mais razoável não seria se antecipar e aproveitar o momento para proteger e até ampliar a economia real?
     Se o diagnóstico da crise é o subconsumo relativo e se os mercados externos se retraírem, porque não pensar no mercado interno?
     Certamente para infletir a política no sentido proposto, a distribuição de renda é fundamental, além, é claro, a manutenção e ampliação dos investimentos do estado.
     Apesar da possibilidade de encontrar pessoas bem intencionadas na estrutura do Estado, o que pode realmente permitir uma saída positiva desta crise é a coesão dos movimentos sociais no sentido de buscar e, sobretudo, lutar por uma agenda alternativa.
     Vamos sugerir alguns pontos desta agenda, que não esgotou o leque de possibilidades, mas que sugerem um núcleo de medidas populares e compatíveis com o enfrentamento da crise, claro que tendo como pré-condição novas regras monetárias e de controle do movimento do capital. Estas propostas não são novas na agenda dos movimentos, mas adquirem força renovada no momento atual:
 
      1) Aumento do salário mínimo, pensões, aposentadorias e auxílios sociais (bolsa família, fome zero, etc.)
     Esta política além de melhorar a vida do povo, tem perfil contracíclico, na medida que substitui o eixo de dinamismo econômico representado pelas exportações que vai se esgotar devido a crise mundial.
  
     2) Redução da jornada de trabalho.
     Velha e justa reivindicação dos trabalhadores que tem incidência sobre o emprego, portanto do ponto de vista macroeconômico tem o mesmo sentido da proposta anterior. O eventual aumento de custo pode ser compensado pelo ganho de escala e pela diminuição dos custos financeiros.
 
     3)Qualificação dos serviços públicos e da infra-estrutura.
     Além do efeito contracíclico, melhor educação, saúde e infra-estrutura física, qualifica a estrutura produtiva do país.
 
     4) Reforma agrária e apoio ao campesinato, priorizando a produção sustentável.
     As medidas anteriores vão implicar em aumento da demanda de produtos agrícolas, principalmente alimentos. É necessário adequar a estrutura da oferta rural. Como é a pequena propriedade rural que produz alimentos, ela deve ser estimulada e ampliada através da reforma agrária. Deve-se investir massivamente na pesquisa e difusão da agricultura ecológica, que além de preservar o meio ambiente, produz alimentos saudáveis e não tensiona a balança comercial com a importação  de insumos.
 
     5) Desenvolver a capacidade de planejar e estimular as relações econômicas solidárias.
     Como o mercado sozinho tem se revelado incapaz de fazer a adequada alocação dos recursos, tem que ser ampliada a alocação planejada dos mesmos. O planejamento para ser eficaz tem que contar com a participação e engajamento da sociedade organizada. Desta forma se evitarão gargalos que criam desproporções entre os setores econômicos e tensões inflacionárias. Da mesma forma deve se reforçar as empresas estatais, que com a participação de seus trabalhadores devem se tornar instrumentos de desenvolvimento.
 
     6)Para financiar as medidas propostas é necessário reduzir o superávit primário, o que deve exigir uma redução da taxa de juros. No médio prazo deve-se alterar a estrutura tributária, dotando-a de progressividade efetiva.
 
    Por outro lado, deve ser ampliado o apoio às empresas autogeridas e solidárias, que além de representarem uma forma alternativa ao assalariamento, mais humana e igualitária, ampliam  as fontes de trabalho e renda e tem baixa propensão à atividades especulativas.
     Estas e outras propostas no mesmo sentido terão oposição daqueles que engordaram suas fortunas no cassino financeiro e constituem interesses poderosos. Assim só a unidade e organização popular pode viabilizá-las. Conta-se no, no entanto, com rara oportunidade, devido ao desgaste do modelo neoliberal que levou a humanidade a um breque sem saída.
     É nos momentos de crise que surge a possibilidade de agendas alternativas que possibilitam a transformação no sentido da justiça social, mas também na ausência da ação unitária das organizações populares, pode-se abrir o espaço para a regressão social, a miséria, a violência, para a barbárie, enfim.
   


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