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Resistência no centro do capital financeiro
Desde o dia 17 de setembro, pelo menos 500 pessoas estão acampadas de forma permanente na Liberty Plaza, a Praça da Liberdade, numa manifestação muito semelhante aos protestos que aconteceram na Espanha e na Primavera Árabe. Milhares circulam pelo local diariamente. Os debates e as assembléias do movimento podem ser acompanhados pela internet, 24 horas por dia. Enquanto isso, a mídia tradicional sonega as reivindicações da população e apenas deu maior visibilidade aos protestos quando a repressão da polícia aumento
Senhor Presidente, senhoras e senhores Deputados,
Há cerca de três semanas, algo de muito diferente e simbólico surgiu na luta dos povos contra o capitalismo e por justiça social. Questionando a lógica da economia voltada para atender aos interesses do capital financeiro e dos bancos e chamando a atenção do mundo para as mazelas geradas por este sistema excludente, estudantes, sindicalistas, imigrantes, professores, servidores públicos, coletivos, movimentos populares e ativistas das mais diferentes causas resolveram literalmente ocupar Wall Street e dizer: ?Basta! As pessoas antes dos lucros?.
Se identificando como os 99% que sofrem as consequências da cobiça do 1% mais rico dos Estados Unidos, eles criticam a superconcentração dos recursos e do poder em torno de Wall Street e a descomunal influência que o capital financeiro tem na política. O movimento, que surgiu de um coletivo de ativistas que já vinha protestando contra os cortes no orçamento feitos pelo presidente Obama, está crescendo, se politizando e ganhando o apoio importante de setores organizados da sociedade civil estadunidense, que juntos decidiram protestar contra a especulação praticamente incontrolável do mercado, responsável pela crise financeira mundial.
Desde o dia 17 de setembro, pelo menos 500 pessoas estão acampadas de forma permanente na Liberty Plaza, a Praça da Liberdade, numa manifestação muito semelhante aos protestos que aconteceram na Espanha e na Primavera Árabe. Milhares circulam pelo local diariamente. Os debates e as assembléias do movimento podem ser acompanhados pela internet, 24 horas por dia. Enquanto isso, a mídia tradicional sonega as reivindicações da população e apenas deu maior visibilidade aos protestos quando a repressão da polícia aumentou.
A luta por justiça econômica e social e a esperança de construir um mundo melhor contaminaram outras cidades e já há assembléias e acampamentos permanentes em municípios como Boston, Seattle, Los Angeles, Indianápolis, entre outras dezenas. Em todo o país, a ação direta tem sido a resposta de uma parcela significativa da população dos Estados Unidos, que deixou de acreditar em sua classe política e agora afirma: ?Se o governo não pode deter Wall Street, nós o faremos?.
De fato, os sinais que tem vindo da Casa Branca já se mostraram insuficientes. O presidente Barack Obama propôs recentemente um plano de criação de emprego e maiores esforços para reduzir o déficit público. Propôs o chamado ?imposto sobre os milionários?, que é correto, mas não basta ? e já foi fortemente rachaçado pelos republicanos. A realidade é que, num cenário em que o FMI rebaixa o crescimento dos EUA de 2,7% para 1,8%, o discurso da ?austeridade? é o que ganha fôlego ? e mais uma vez tudo indica que o dinheiro sairá das áreas sociais.
Na zona do euro, a prioridade de muitos governantes, inclusive os social-democratas, também tem sido cortar despesas fiscais para remunerar com juros mais altos os compradores de sua dívida. O Fundo Monetário Internacional chegou a declarar que qualquer ?repressão financeira? é temerária e, pasmem, afirmou que os países do Sul Global deveriam ajudar os mais necessitados, já que ?estão em fase mais avançada do ciclo de crédito?.
Porém, os cidadãos que decidiram ocupar Wall Street entenderam que exigir ?mais austeridade? ? como propagam todos os meios de comunicação ? enquanto os bancos e o capital financeiro continuam sendo salvos pelos Estados é inadmissível. Em 2008, viram que enquanto as enormes dívidas dos bancos eram renegociadas, suas hipotecas eram executadas sem piedade. Ou seja, enquanto os ricos renegociam suas dívidas, para os pobres isso é algo impensável.
E, como lembrou a escritora canadense Naomi Klein, crítica da desregulação propagandeada pelo neoliberalismo e que na última semana esteve no acampamento de Wall Street, é que se há uma coisa que o 1% de Wall Street adora é uma crise. ?Quando as pessoas estão desesperadas e em pânico, e ninguém parece saber o que fazer: eis aí o momento ideal para nos empurrar goela abaixo a lista de políticas pró-corporações: privatizar a educação e a seguridade social, cortar os serviços públicos, livrar-se dos últimos controles sobre o poder corporativo. Com a crise econômica, isso está acontecendo no mundo todo?, afirmou Klein.
E o que os 99% estão dizendo às forças econômicas e políticas mais poderosas do planeta é a palavra de ordem que já se tornou universal: ?Nós não vamos pagar por esta crise?. É preciso, portanto, mudar este sistem injusto, cruel e que segue fora do controle dos Estados, e muito distante de responder às necessidades dos povos.
Na Praça da Liberdade, são essas demandas que começam a vir a tona, mostrando que os problemas são mais profundos do que o desemprego que tanto afeta a juventude ou as mudanças no sistema de seguridade social. A ?Declaração da Ocupação de Nova Iorque? convoca e se coloca como aliada de todos que se sentem injustiçados pelas corporações do mundo, que ?não buscam autorização para extrair a riqueza do povo e da Terra?.
O texto, que circula em todo mundo, lembra que ?nenhuma democracia verdadeira é atingível quando o processo é determinado pelo poder econômico?. E lembra, entre vários pontos, da retirada de direitos dos trabalhadores, das terceirizações, dos preços abusivos da educação privada, do financiamento privado das campanhas, do bloqueio a formas alternativas de energia para manter a dependência do petróleo, da indústria da guerra, do imperialismo norte-americano. Questões que, certamente, estão conectadas e que agora provocam a busca de uma alternativa solidária e democrática aos fracassos do deus mercado.
Não à toa, o recado atravessou as fronteiras dos Estados Unidos e se somou aos diferentes processos em curso no mundo. Neste sábado, o 15 de outubro será marcado em dezenas de países por protestos por liberdade e igualdade. Convocados pelo Movimento Democracia Real Já, da Espanha, cidadãos irão às ruas na Grécia, no Chile, no Egito, nos Estados Unidos e também aqui no Brasil para dizer não à aliança entre políticos e grandes corporações em detrimento dos direitos das populações.
O PSOL se soma a esses protestos e reforça a centralidade que o combate ao capitalismo financeiro deve ganhar em nossa luta pela transformação social. Longe de qualquer coincidência, o Brasil enfrenta desafios semelhantes e é fundamental que nós também nos indignemos, somemos nossas forças e nos façamos ouvir. Antes que seja tarde demais.
Muito obrigado.