Início | Artigos |

Trinta provocações para o nosso crescimento (inspiradas na crise financeira global e no desempenho eleitoral do PSOL)

Chico Alencar-Deputado Federal do PSOL pelo Rio de Janeiro

1. A globalização é um processo histórico e irreversível, como o foi o pan-helenismo, a ?pax? romana e a expansão marítimo-mercantil. 

2. A mundialização de sociedades nacionais cada vez mais intercomunicadas e interconectadas reforça a necessidade de, mais do que nunca, sermos internacionalistas.

3. O globalitarismo do Consenso de Washington, desta etapa de financeirização do capital, hegemônico há três décadas, com sua ?teologia? do mercado total, precisa ser combatido sem tréguas.

4. O neoliberalismo aprofundou as desigualdades entre classes e povos,  hipertrofiou as atividades especulativas, impôs o reinado dos negócios virtuais em detrimento da produção real de bens, subordinou a política à economia, pretendeu tornar inútil a participação cidadã.

5. O capitalismo não vai ser superado tão cedo, pois ainda tem vitalidade para superar suas próprias crises e, sobretudo, porque não há acúmulo das forças sociais e políticas que, nessa conjuntura, possam oferecer alternativas socialistas viáveis, após a debacle do sovietismo.

6. A tendência maior, face à desestabilização da produção e do emprego, com as conseqüentes ebulições sociais daí decorrentes, é a reorganização do sistema (?refundação do capitalismo?, prega o presidente francês Sarkozy!), com mais tutela dos mercados financeiros, com mais controle dos papéis e títulos e intervenção maciça do Estado para recapitalizar bancos com fundos públicos. 

7. A economia de mercado e os governos a seu serviço informam: saem, temporariamente, o austríaco Hayek e norte-americano Friedman, entram os veteranos Keynes e Galbraith.  Mais planejamento, mais regulação estatal.

8. Sem exageros, porém.  Trata-se, de acordo com Gordon Brown, o primeiro-ministro inglês, de lançar um ?pacote multibilionário para recapitalizar nossos bancos em vários continentes e arrancar pela raiz os empréstimos irresponsáveis?. Em terras tupiniquins, vem aí o ?Proer do Lula?.

9. Nada de muito novo sob o sol. Lembra Galbraith que ?o mundo das finanças celebra repetidamente a invenção da roda, não raro em uma versão um pouco mais instável?.

10.  Há algo novo sob o sol. Lembra Hobsbawn que ?todos concordam que,  de uma forma ou de outra, o Estado terá um papel maior na economia daqui por diante. Qualquer que seja o papel que os governos venham a assumir, será um empreendimento público de ação e iniciativa, que será algo que orientará, organizará e dirigirá também a economia privada. Será muito mais uma economia mista do que tem sido até agora.?

11. O Brasil lastreou seu crescimento recente em fundos de investimentos de ?private equity?, com altos negócios na Bolsa de Valores (o administrador de investimentos Armínio Fraga, ex-presidente do BC, entusiasta e colaborador de Gabeira, substitui, como símbolo da ?nova era?, um capitão de indústria como Antonio Ermírio de Moraes).

12. Esses fundos foram responsáveis por 44% das fusões e aquisições, puxando os negócios de alta lucratividade na Bolsa e, como afirmou Armínio, ?produzindo uma mudança quase revolucionária no mercado de capitais brasileiro?.  Tudo será um ?tigre de papel??

13. Os ?neocapitalistas? (trans)nacionais celebram, na realidade, uma nova modalidade de concentração de renda, com ganhos pouco perceptíveis (e subdeclarados!) em títulos financeiros e juros, em detrimento dos ganhos do fator trabalho.

14. O ?neoconformismo da miséria estrutural? (expressão de Marcio Porchman, presidente do IPEA) é sustentado pela ampliação do consumo imediato de alguns segmentos muito pobres até então excluídos, pelo aumento do crédito para a classe média e pelos lucros extraordinários de setores da elite (em 2007, os R$ 20 bilhões de lucro dos 4 maiores bancos brasileiros confrontaram os R$ 21 bilhões de todo o Orçamento Social da União, incluindo seguridade, Bolsa Família etc.)

15. O Brasil vai sofrer também com a retração dos investimentos aqui de fundos norte-americanos, consorciados aos nacionais, e vinculados ao agro-negócio, à especulação imobiliária, à logística, especialmente transportes, à produção de bens de consumo, ao petróleo, ao gás. Os donos do dinheiro estão se encolhendo, se escondendo.

16. Num primeiro momento, isto reforça no imaginário popular o ?fetiche da ingovernabilidade?, isto é, a pequena ou nenhuma capacidade dos governos - ou da ?política? - para determinar o curso dos acontecimentos, originários de ?situações globais? incontroláveis, indomáveis.

17. Para o senso comum, a ?mão invisível? do liberalismo é todo-poderosa: distribui benefícios, gera desastres, desestrutura inclusive políticas domésticas aparentemente seguras.

18. Este abalo ?sísmico?, por isso, só gerará nova consciência e conseqüentes transformações políticas, na direção da igualdade e do socialismo, se soubermos ler a conjuntura e nos posicionarmos coerentemente para interferirmos nela.  Partido político mudancista existe para isso.

19. No embate político imediato, o das eleições municipais, não fomos bem: apenas sobrevivemos. A conjuntura era extremamente adversa, mas o ainda pequeno PSOL sinaliza que a esquerda não desapareceu da história.

20. O PSOL é uma necessidade histórica para os trabalhadores, a juventude, os setores médios e as multidões empobrecidas.

21. O PSOL, no plano simbólico, deve se tornar um instrumento virtuoso para todos os que buscam ou têm uma perspectiva de sociedade solidária, ambientalmente equilibrada e existência digna, e que não perderam de vez a dimensão da utopia social.

22. Nem toda necessidade histórica se consolida, de imediato e através dos instrumentos disponíveis, em demanda social. História, partido e vontade coletiva se constroem.
23. O PSOL só crescerá sendo contraponto às máquinas dos grandes partidos captadores de votos, administradores consorciados do poder, movidos pelo uso das máquinas administrativas e pelo abuso do poder econômico, com atuação meramente eleitoral.

24. O PSOL só se consolidará voltado para o trabalho de base e dialogando com os movimentos populares e com instâncias intermediárias de segmentos sociais, sem pretensão dirigista mas igualmente com visão crítica do ?movimentismo?, da atuação circunscrita, da crescente negação da política institucional.

25. Partido autêntico, que preenche necessidade histórica e representa demandas concretas, é enraizado socialmente, mobilizador, doutrinário, ideológico e orgânico, com estruturas competentes, profissionais.

26. Partido estruturado necessita de organização burocrática, mas não cede à lógica da auto-reprodução da própria burocracia ou dos mandatos institucionais, onde conservar o poder pelo poder torna-se a única meta.

27. O PSOL, junto com outras forças sociais, deve travar o combate à cultura do culto à experiência individual e do ?espírito de grupo? só valorizado quando movido por interesses empresariais (inclusive de religiões de negócios), marketing de redes, orkuts e formação de quadrilha.

28. O PSOL, incorporando as novas tecnologias, deve insistir no debate, nos questionamentos, na organização de núcleos, no pensamento crítico, na formação política, na superação do econômico-corporativo do interesse localizado, em direção ao ético-político da dimensão universal, republicana.

29. O PSOL não deve contentar-se em marcar posição: ele deve galgar posições, na perspectiva de governar ou legislar/parlamentar para transformar. Isso só acontecerá se nos tornarmos, paulatina e ?docentemente?, um partido de massas e de quadros dirigentes democráticos.

30. Para avançar, é preciso também analisar, a cada conjuntura eleitoral, nossa política de alianças, que deve basear-se na consigna ?firmeza na estratégia, flexibilidade na tática, sem abrir mão de princípios e sem ultrapassar limites éticos?.

Chico Alencar

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2008

[Voltar ao topo]